*Por Bob Vieira da Costa
A Volkswagen admitiu, recentemente, ter instalado em 11 milhões de veículos um dispositivo com um propósito claro: fraudar os testes de controle de emissão de poluentes.
O escândalo revelou um abismo entre o discurso da marca e algumas práticas ocultas. Afinal, estamos falando de uma companhia que se propôs a produzir e entregar carros mais “verdes” ao consumidor e que também já realizou campanhas ambientais como, por exemplo, pela reciclagem do lixo.
De uma hora para outra, o discurso da Volks foi posto em xeque. Poucos duvidam que o episódio abalará a confiança do consumidor na marca, especialmente nos EUA. Hoje, as pessoas estão mais atentas, mais informadas e apontam inconsistências entre o discurso de uma empresa e sua prática cotidiana.
A montadora alemã inicia agora uma longa batalha de reconstrução de imagem. Não há soluções mágicas, mas uma coisa é certa: a Volks precisa mostrar compromisso verdadeiro com o controle da poluição.
O caso evidencia que o discurso das marcas precisa ser sempre sustentado por ações sérias e práticas verdadeiras. De que adianta fabricar e promover um carro “verde” se ele contém um dispositivo para burlar o controle de poluentes? Por que se posicionar como a companhia “Além do Petróleo”, como fez a britânica BP, se sua produção continua a ser basicamente petróleo?
A distância entre o discurso e a prática das marcas ocorre de forma recorrente no campo do marketing relacionado a causas. As marcas podem, sim, se envolver com temas de interesse público, mas precisam fazê-lo com critério e correção.
Há anos, por exemplo, a campanha “Real Beleza”, de Dove, mostra a beleza de mulheres que não são modelos profissionais, resgatando a autoestima de milhões delas.
Alguém duvida que a maior rede fast-food do planeta tenha ganhado mais respeito e admiração quando adotou o câncer de crianças como causa? Um sucesso, sem dúvida. Mas é preciso ir além. Pouco adianta apoiar uma causa, por mais relevante que ela seja, se a empresa não adota práticas socialmente responsáveis, respondendo à problemática da obesidade infantil.
Observando sucessos e fracassos, fica claro que as marcas precisam ter muito cuidado na hora de escolher uma causa para chamar de sua. O processo de seleção envolve o alinhamento com a agenda da sociedade e, sobretudo, com os valores e o propósito da empresa.
Só assim se estabelece um compromisso verdadeiro que se reflete nas práticas cotidianas. Não vale a pena associar a marca a alguma causa se não houver um compromisso autêntico, sincero e genuíno.
Com o escândalo da Volkswagen, observamos como é tênue o limite entre o discurso e a prática. Entre a responsabilidade social corporativa e a marquetagem. Entre conquistar o consumidor e enganá-lo.
As revelações sobre a Volkswagen também mostram o quanto isso pode ser comum. Se olharmos para trás, veremos muitos exemplos negativos de outras marcas. Dezenas deles. Felizmente, no entanto, já tem gente remando na direção correta e colhendo os frutos de se associar, de forma verdadeira, a uma causa de interesse público.
BOB VIEIRA DA COSTA, 52, presidente da agência de publicidade nova/sb. Foi coordenador de comunicação do Ministério da Saúde e ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (governo FHC)
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/09/1688006-surfista-do-interesse-publico.shtml