Como a ‘saída do armário’ de um dos melhores skatistas do mundo pode mexer com o esporte
‘Ouvir o termo bicha o tempo todo fez com que eu pensasse desde muito novo que era muito perigoso falar sobre isso’, afirma Brian Anderson
Por André Cabette Fábio, para o Nexo Jornal, em 10/10/2016.
Em entrevista concedida no final de setembro ao site Vice Sports, o skatista Brian Anderson, de 40 anos, falou abertamente sobre a sua homossexualidade. Ele não é o primeiro a “sair do armário” no universo do esporte, mas sua atitude é especialmente impactante porque Anderson é um dos maiores nomes do skate mundial.
Ele se tornou profissional em 1998, e um ano depois foi escolhido skatista do ano pela revista “Thrasher”, referência na área, e venceu o campeonato mundial.
Em um esporte no qual o status está intimamente ligado à capacidade de atrair grandes patrocinadores, Anderson é apoiado por marcas como Spitfire e Nike.
O medo da homofobia
A revelação ocorreu por meio de um minidocumentário da Vice Sports.“Meu nome é Brian Anderson, sou um skatista profissional, e nós estamos aqui para falar sobre o fato de que eu sou gay”, diz Anderson para a câmera. A obra tem ainda entrevistas com pessoas que convivem com o skatista.
“Quando saíamos em tour, algumas vezes ele fazia algo longe do grupo. Ele se separava e eu pensava ‘OK, ele gosta do seu espaço pessoal’. Era pouco usual para caras em uma viagem quererem estar sozinhos. Eu não entendia o que aquilo era, em um primeiro momento. Agora, eu consigo ver do que se tratava”, afirma o agente Sam Smyth.
Anderson conta que sente atração por homens desde criança, quando se sentia atraído pelo personagem Brutus, do desenho “Poppeye”. Ele afirma que nunca se sentiu particularmente atraído por skatistas, e que durante grande parte de sua vida pensou que poderia, em algum momento, passar a se sentir atraído por uma mulher e, a partir daí, constituir uma família.
A demora em se assumir publicamente, mesmo após viver casos amorosos com outros homens, veio em parte da homofobia presente em grupos de skatistas desde a juventude. “Ouvir o termo ‘bicha’ o tempo todo fez com que eu pensasse desde muito novo que era muito perigoso falar sobre isso”, diz. “Se eu tivesse dito isso [que é gay] há 15 anos, a reação seria muito diferente.”
A relevância do anúncio
Para skatistas gays, a declaração de Anderson é importante porque o esporte e a indústria que ele movimenta sempre focaram em uma ideia hipermasculina. O universo do skate é com frequência acusado se misoginia e machismo.
Há um caso simbólico envolvendo o ex-skatista profissional Tim Von Werne. Em 1998 ele deu uma entrevista na qual falou sobre sua homossexualidade para a revista “Skateboarder”. Seus patrocinadores conseguiram, no entanto, barrar a publicação. Na mesma época, Werne sofreu uma fratura no quadril e abandonou o skate.
“Ficou bem claro logo de cara que, se eu quisesse ser um skatista profissional, eu teria que pensar em entrar no armário. Eu não me sentia confortável para fazer isso”, afirmou Werne em entrevistaconcedida em agosto de 2016 ao site Out and Proud, de temática LGBT.
“A identidade sexual seria irrelevante para o skate se o skate não fosse tão intimamente identificado com a dureza de machão relacionada à heterossexualidade masculina. Se você abrir uma revista de skate, vai ver um monte de héteros, a maior parte deles caras brancos, andando de skate, e algumas minas seminuas que provavelmente não andam de skate fazendo propaganda de produtos de skate”, Max Dubler, repórter e skatista amador, em artigo publicado na revista ‘Jenkem’, especializada em skate.
Em 2002, a revista “Big Brother” publicou uma reportagem de capa a respeito da homossexualidade do skatista Jarret Berry, na qual ele aparecia com o traseiro de fora, em atitude de desafio.
A diferença entre o caso de Berry e o de Anderson é que o primeiro era pouco famoso, já o segundo é um astro do esporte com uma legião de fãs.
“Todos os skatistas que já saíram do armário são marginais. [A revista] ‘Big Brother’ deu a Jarret Barry a capa porque ele era gay. Mas era uma espécie de curiosidade, Jarret Barry não é um cara que está no radar das pessoas, ele não ganhou o campeonato mundial. Brian Anderson é alguém que muita gente tem como o skatista favorito (…) Todos os jovens que o têm como favorito e receberem a notícia [de que ele é gay] vão ser forçados a se perguntar ‘por que isso importa?’”, Ed Templeton, skatista profissional e fundador da marca Toy Machine Skateboards em entrevista à Vice Sports.