Do UOL, em São Paulo
Ouvir que “o cipó das 11h30 é ao lado” quando encontrou o elevador da empresa lotado. Quase ser demitida por “ser um bagulho, além de preta”, na visão do supervisor. Ser chamado por um colega de “preto filho da p…”.
Casos assim foram relatados por executivos negros paulistanos a Pedro Jaime de Coelho Júnior, professor de sociologia da faculdade ESPM, em entrevistas para sua tese de doutorado, de 2011. O trabalho acadêmico deu origem ao livro “Executivos Negros: Racismo e Diversidade no Mundo Empresarial” (Edusp), lançado nesta semana.
Para analisar a questão, ele conta a trajetória profissional de executivos negros, homens e mulheres, que entraram no mercado de trabalho no final dos anos 1970. Ele então compara essas vivências com as de outra geração, de jovens negros que começaram a trabalhar no início deste milênio.
Entre as conclusões do estudo, o professor percebeu avanços, com a diminuição do racismo no ambiente de trabalho, mas ainda vê um longo caminho para atingirmos uma igualdade de fato, já que a participação de negros em cargos executivos é muito baixa no Brasil.
Segundo dados do instituto Ethos, em estudo sobre as 500 maiores empresas que operam no país, eles representam 4,7% do quadro executivo. Na gerência, um nível abaixo na hierarquia, esse percentual sobe um pouco, para 6,3%. Entre supervisores chega a 25,9%.
O UOL separou algumas histórias contadas por esses executivos retratados no livro. Episódios de racismo vividos em sua trajetória profissional. As entrevistas foram feitas pelo professor entre 2008 e 2010.
“Cipó das 11h30”
Roberto* tinha 52 anos e era gerente de uma grande empresa brasileira do segmento industrial na época em que o professor o entrevistou. Natural de Minas Gerais, foi para São Paulo para trabalhar com 15 anos, no início da década de 1970.
Ele conta um episódio vivido em sua carreira, sem detalhar exatamente a data. Certa vez, esperava o elevador que, quando chegou, estava lotado. De lá de dentro, alguém gritou: “O cipó das 11h30 é ao lado”. A piada racista gerou muitas risadas entre os presentes, segundo Roberto, que apenas ficou com um sorriso sem graça.
Roberto conta que desenvolveu uma “técnica” de defesa na segunda empresa em que trabalhou, onde os colegas “só contavam piada de preto”. Ele decorou uma série de piadas do tipo, e as contava antes que alguém viesse contar alguma para ele.
Ele diz que foi uma forma que encontrou para se defender da situação, antecipando a brincadeira e a tiração de sarro.
“Preto filho da p…”
Roberto também conta outra história que ocorreu na primeira empresa em que trabalhou, por volta de 1974.
No local, um senhor negro que trabalhava na limpeza, chamado Benedito, costumava limpar as mesas de trabalho na hora do almoço, para não atrapalhar o serviço. Nesse dia, algumas pessoas estavam almoçando no escritório. Quando o profissional da limpeza chegou, pediu licença a um rapaz para poder arrumar a mesa dele.
O rapaz, então, virou para Benedito e disse; “Ô crioulo, não tá vendo que eu estou almoçando?”. Na hora, Roberto retrucou: “Por que você está se referindo a ele assim, como crioulo? Ele tem nome e você sabe que o nome dele é Benedito”. O colega então respondeu: “Você também é um preto filho da p…”.
Roberto pegou um grampeador que estava na mesa e atirou na cabeça dele, machucando-o bastante. Em seguida, o diretor da área chegou para saber o que tinha acontecido, e Roberto explicou o episódio, justificando sua reação.
O rapaz foi demitido imediatamente, acontecendo o mesmo com Roberto pouco tempo depois. Questionado pelo professor se o episódio causou a demissão, Roberto afirmou que ninguém tinha dito isso, mas que acredita que contribuiu.
“Vocês trouxeram uma negra para cá?”
Mara tinha 57 anos e era gerente de pesquisa de mercado de uma empresa multinacional. Ela conta que, em um momento de sua trajetória profissional, foi contratada por um banco, para ser assistente de uma pessoa que trabalhou com ela anteriormente, em um instituto de pesquisa.
O chefe do departamento, porém, não recebeu bem a contratação. A colega relatou a Mara que ele teria dito “Nossa! Vocês trouxeram uma negra para cá?”, ao que a colega respondeu: “Você pediu para contratar uma pessoa competente, e com essas qualificações só conheço ela”.
Ao longo do tempo, porém, o chefe reconheceu o bom trabalho de Mara, tanto que que ela foi promovida, quando a colega saiu da empresa.
“Bagulho, além de ser preta”
Executivas não relatam apenas episódios de racismo, mas também de machismo e assédio sexual. Esse é o caso de Vanda, que tinha 52 anos e foi gerente de relações trabalhistas de uma multinacional americana do setor industrial.
Ela conta que os supervisores da área onde trabalhava costumavam exigir que as funcionárias saíssem com eles, para que elas conseguissem uma promoção.
Eles, porém, gostavam mais das mulheres brancas, então Vanda diz que isso não acontecia com ela, “felizmente”. Por outro lado, ela acabava sempre nos piores lugares, em setores com mais problemas.
Em um determinado momento, a matriz americana exigiu que fosse feito um corte de funcionários na produção, e recolheram os crachás dos empregados para fazer a avaliação. Ao entregar o dela, Vanda ouviu um supervisor branco dizer ao diretor: “Pode cortar essa, porque isso daí é bagulho e além do mais é preta!”.
Mesmo tendo dito isso, o supervisor não foi punido. Ela, porém, não perdeu o emprego. Foi para outra área, com outro supervisor, que gostava do seu trabalho.
*Os nomes dos entrevistados foram mudados no livro para preservar as identidades