Como podemos ajudar as Hannahs da vida real?
Um hábito comum, mas não recomendado, é sugerir que a pessoa precisa ter pensamento positivo, que ela tem que se ajudar ou reagir.
Amanda Mont’Alvão Veloso Especial para o HuffPost Brasil
Publicado em 11/5/2017
Difícil mensurar com precisão, mas a impressão é de que nunca se falou tanto em suicídio. O assunto mais marginal da imprensa vazou os tabus que o confinavam ao silêncio e avançou principalmente nos comentários do público. A discussão foi puxada pela série de ficção 13 Reasons Why, da Netflix, sobre a qual refletimos aqui, e estendida com o desafio da Baleia Azul, cujos boatos e realidades exploramos aqui.
Com mais de 11 milhões de tweets em 20 dias, 13 Reasons Why é a série mais comentada de 2017 até agora no Twitter, segundo dados obtidos pela revista norte-americana Variety. Na trama, Hannah, uma garota de 17 anos, grava em fitas K7 os 13 motivos pelos quais ela decidiu se matar. Os 13 episódios da série mostram o que ocorre após o suicídio, com uma narrativa que cruza o tempo presente – e os efeitos dolorosos vividos por seus pais e por quem a amava – com o passado dos relatos de sofrimento da garota.
Para além da ficção e dos temores com o Baleia Azul, o suicídio apareceu nas conversas com uma preocupação: o que pode ser feito para ajudar uma pessoa querida que esteja pensando ou planejando se matar?
Para que tal auxílio ocorra, é preciso que o assunto encontre um espaço sem julgamentos para ser falado, e isso faz toda a diferença para a prevenção.
“Conversar abertamente sobre suicídio é importantíssimo e pode ajudar muito aqueles que estão em grande sofrimento psíquico e vendo a morte como uma alternativa para dar um basta ao seu sofrimento”, explica ao HuffPost Brasil a psicanalista Soraya Carvalho, coordenadora do Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio (NEPS), na Bahia, membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps) e autora do livro A morte pode esperar? Clínica psicanalítica do suicídio (Campo Psicanalítico, 2014).
O ideal é que a pessoa seja escutada por um profissional especialista no assunto ou por voluntários do CVV (Centro de Valorização da Vida), que recebem treinamento para abordar pessoas em risco de suicídio. Entretanto, a família, um amigo ou um professor podem ajudar muito sem que tenham um preparo especial para lidar com tal assunto, desde que sigam algumas recomendações básicas e fundamentais.
É crucial partir do pressuposto de que a pessoa está mergulhada em grande sofrimento e de que ela mais precisa ser ouvida do que ouvir nossos conselhos, explica Carvalho. Portanto, é preciso escutar mais do que falar. “Acolher o sofrimento, escutando com atenção, neutralidade, respeito e interesse.”
Segundo a especialista, podemos fazer isso a partir de duas perguntas essenciais:
1. O que há com você, o que está doendo?
2. Como posso lhe ajudar?
“Mas só pergunte se você puder escutar. Caso contrário, melhor nem iniciar o diálogo”, pondera Carvalho. Ela explica o que significa poder escutar:
Não fazer julgamentos prévios e preconceituosos, baseados em ideias como “quem ameaça não se mata” e “quem quer morrer não avisa”;
Não fazer interpretações como “suicídio é um ato para chamar atenção, manipular, de fraqueza, de covardia, de coragem, de falta de fé, de Deus ou de amor”;
Evitar rótulos como “pessoa fraca” ou “desequilibrada”;
Nunca minimizar, desvalorizar, comparar, rotular, abandonar, incentivar ou desafiar;
Sempre levar a sério, escutar sem julgamento, oferecer ajuda e acompanhar.
Um hábito comum, mas não recomendado, é sugerir que a pessoa precisa ter pensamento positivo, que ela tem que se ajudar ou reagir.
Nunca conheci alguém que tenha desistido da ideia de se matar porque recebeu um conselho desse tipo. Muito pelo contrário. O depoimento de pacientes é que este tipo de abordagem faz que se sintam ainda piores, uma vez que se sentem incapazes de melhorar porque isso não depende da vontade deles. Por isso me pergunto para quem serve este tipo de incentivo: para quem dá ou para quem recebe?
Atenção aos sinais
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), tirar a própria vida é a segunda principal causa da morte entre pessoas de 15 a 29 anos e já mata mais que o HIV. A cada dia, pelo menos 32 brasileiros se matam. Se houvesse prevenção, nove entre dez pessoas ainda estariam vivas.
“Todos podem prestar atenção aos sinais de que uma pessoa próxima pode estar pensando em se matar”, afirma Carlos Correia, voluntário do CVV, entidade sem fins lucrativos que oferece apoio emocional gratuito e voluntário e prevenção do suicídio há 55 anos.
No fim de abril, o CVV, em parceria com a Safernet Brasil e o Facebook, lançou o guia “Ajude um Amigo em Necessidade”, com dicas para identificar sinais de que um amigo pode estar enfrentando dificuldades emocionais e do que fazer para ajudar em situações como essa. Algumas das “pistas” aparecem em mensagens, fotos ou vídeos nas redes sociais com o usuário dizendo que se sente sozinho e desamparado. Irritabilidade ou hostilidade fora do comum também são indícios de que essa pessoa pode precisar de ajuda.
Mas alguns alertas podem ser bastante sutis, destaca a psicóloga Blanca Guevara Werlang, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em um artigo para a Fapesp:
Elas [as pessoas] podem dar indícios mais diretos e dizer: ‘Não quero mais viver’, ‘Um dia eu vou sumir’ ou ‘Vocês ainda vão sentir minha falta’. Ou dar pistas indiretas como alterar hábitos, começar a distribuir objetos pessoais ou visitar amigos e familiares que há muito tempo não vê.
O guia destaca a importância de demonstrar que não é errado pedir ajuda e de mencionar que há opções de assistência, como as oferecidas pelo CVV e pela Safernet, por meio do site www.canaldeajuda.org.br. Além disso, é fundamental buscar ajuda profissional com um psicanalista, psicólogo ou psiquiatra. “Se a pessoa fizer uma ameaça explícita de suicídio, deve-se ligar para o 190 ou para uma linha direta para prevenção de suicídio como a do CVV”, reforça o serviço voluntário.
Ouvidos atentos
No CVV, cerca de 2.000 voluntários em quase todo o País fazem mais de um milhão de atendimentos por ano. Na primeira semana de exibição da série 13 Reasons Why, os pedidos de ajuda ou de conversa enviados por e-mail aumentaram em mais de 100%, com 25 mensagens mencionando “13 Reasons Why”. Cerca de uma semana depois, o crescimento na procura chegou a 445%.
De acordo com o serviço, qualquer pessoa com mais de 18 anos pode se candidatar ao voluntariado. Mas é preciso ter pelo menos quatro horas semanais disponíveis para o atendimento.
Os interessados são selecionados e preparados por meio do Programa de Seleção de Voluntários. Os cursos são oferecidos periodicamente pelos 76 postos de atendimento do CVV em todo o Brasil. Há teoria, mas a ênfase é no treinamento prático, com simulações de atendimento em reuniões semanais realizadas por três meses.
Ao fim do programa, o candidato faz uma autoavaliação e é avaliado pelo coordenador do curso para saber se está no momento de iniciar o atendimento como voluntário. Os interessados podem se inscrever no próprio site ou presencialmente nos postos do CVV.
Caso você — ou alguém que você conheça — precise de ajuda, ligue 141, para o CVV – Centro de Valorização da Vida, ou acesse o site. O atendimento é sigiloso e não é preciso se identificar.
O movimento Conte Comigo oferece informações para lidar com a depressão. No exterior, consulte o site da Associação Internacional para Prevenção do Suicídio para acessar redes de apoio disponíveis.