Nos últimos três anos, aumentou em 78% o número de mulheres que procuram tratamento em SP
Por natureza, a mulher é mais vulnerável ao álcool e apresenta problemas de saúde mais precocemente do que o homem
Por Cláudia Collucci *
O número de mulheres dependentes do álcool que procuram tratamento cresceu 78% nos últimos três anos no Estado de São Paulo, segundo levantamento em unidades públicas de saúde.
Ao mesmo tempo, pesquisas indicam que, em 20 anos, aumentou muito a proporção de mulheres alcoólatras no país. Era uma mulher para cada dez homens. Agora é uma para três.
Para especialistas, uma das explicações é a mesma que levou ao aumento dos problemas cardiovasculares nesse público: a mudança do estilo de vida da mulher, que a deixa sobrecarregada de trabalho e estressada.
O fenômeno preocupa por dois motivos: a) a mulher é mais vulnerável ao álcool e tem problemas mais cedo; b) a indústria de bebida tem investido em propagandas para elas.
Estudo da Secretaria Estadual da Saúde mostra que o número de mulheres dependentes nos Centros de Atenção Psicossocial passou de 17.816 (2004) para 31.674 (2006). Representam 11,8% dos atendimentos (267.582, em 2006).
Para Luiezemir Lago, do Centro de Referência de Álcool, que coordenou o estudo, o aumento se deve ao crescimento real do alcoolismo feminino e à maior oferta de serviços especializados (de 27 unidades, em 2004, para 41, em 2006).
“Havia uma demanda reprimida. Antes, a mulher era internada. Hoje, com o tratamento ambulatorial, ela se sente mais estimulada a buscar ajuda.” Em 2006, o custo do tratamento ambulatorial de mulheres foi de R$ 820 mil no Estado.
As bebidas ocupam a quarta posição no ranking de internação. Em primeiro vem gravidez/parto, seguido de doenças do aparelho circulatório e das doenças respiratórias.
“A mulher ganhou bônus [maior inserção no mercado de trabalho, por exemplo], mas também teve o ônus”, diz João Carlos Dias, da Sociedade Brasileira de Psiquiatria.
Ele explica que o organismo feminino metaboliza o álcool de forma diferente da dos homens e, por isso, elas sofrem mais rápido os efeitos nocivos da bebida -têm maior proporção de tecido gorduroso e um déficit de enzimas que atuam na metabolização do álcool.
Situações que desfavorecem a “diluição” da bebida no corpo.
O psiquiatra Sérgio Ramos, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, diz que os homens levam 15 anos para ter problemas no fígado. “As mulheres, cinco.” As alcoólatras também sofrem mais riscos de desenvolver doenças cardiovasculares, câncer da mama, osteoporose e distúrbios psiquiátricos, entre outros.
E não só isso. Paulina Duarte, da Secretaria Nacional Antidrogas, diz que a mulher alcoólatra, mais estigmatizada, tende a beber escondida e tarda em buscar ajuda. “Chega numa condição mais grave e com menos chances de recuperação.”
Consumidoras são novo alvo da propaganda
Cerveja lançada pela Ambev, com foco específico no público feminino, tem comercial de TV exclusivo para mulheres
Pesquisa mostra que não há diferença estatística na taxa de consumo de cerveja -62% entre os homens e 58% entre as mulheres
As mulheres já bebem cerveja na mesma freqüência que os homens e se tornaram o novo alvo da indústria de bebidas, inclusive, com comerciais de TV exclusivamente para elas.
Pesquisa da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), divulgada semana passada, mostra que não há diferença estatística na taxa de consumo de cerveja entre os gêneros (62% entre homens e 58% entre as mulheres). O estudo ouviu 3.007 pessoas em 143 cidades brasileiras.
Entre os adolescentes, acontece a mesma tendência de consumo: 53% dos garotos declaram tomar cerveja, contra 50% das meninas.
A diferença entre os gêneros (adultos e adolescentes) ainda está na quantidade ingerida: 38% dos homens consomem cinco doses de bebida alcoólica (fermentadas ou destiladas) contra 17% das mulheres.
Mas, a depender da indústria da cerveja, esse padrão de consumo também poderá ser mudado. Uma cerveja voltada para mulheres, a Porto (Ambev), acaba de ser lançada.
No comercial de TV sobre a cerveja, a velha fórmula sexista, agora ao inverso: em um bar lotado de belas garotas bebendo cerveja, ao som de música latina, um garçom mais velho é trocado por um jovem bonitão.
Para a psicóloga Ilana Pinsky, do departamento de psiquiatria da Unifesp, o foco de propagandas de bebidas nas minorias é uma tendência nos EUA e pode se tornar uma estratégia no Brasil, um mercado com potencial de crescimento.
“No Brasil, a mulher ainda bebe muito menos do que potencialmente poderia beber. É esperto da parte das indústrias focarem nas mulheres jovens e em jovens em geral porque é esse público que pode mudar o padrão de consumo, não vai ser o cara de 40 anos.”
Sérgio Ramos, da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, tem a mesma preocupação: “Estão querendo agora ampliar o mercado em direção às mulheres jovens. E fazem propaganda enganosa. Mulher que bebe freqüentemente engorda, tem barriga, não tem a exuberância da TV”.
Para Marcos Mesquita Coelho, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja, é natural ocorrer uma mudança no direcionamento da propaganda devido ao aumento do consumo da bebida e à participação cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho e na renda nacional.
Segundo ele, não tem sentido uma propaganda focada apenas na motivação do homem se a mulher consome a bebida quase na mesma proporção.
“O problema dessa propaganda [da cerveja Porto] é que ela está voltada para a mulher, mas ainda usando o mesmo padrão de publicidade usado para o público masculino. Trocar esse [garçom] por outro mais bonito não me parece um padrão esperado das mulheres.”
Segundo ele, as pesquisas de mercado demonstram que as mulheres cada vez mais consomem cerveja e decidem pela marca de preferência. “Nada mais adequado do que trabalhar conceitos mais presentes na decisão da mulher.”
A presença de mulheres nos bares é cenário comum e não fica muito atrás da dos homens em estabelecimentos visitados pela Folha. A estudante Cristiane Paludetto, 30, afirma que começou a consumir bebidas alcóolicas aos 14 anos. “Achava que tinha graça. Tive amigas que tomaram glicose na veia”. Hoje, ela diz beber menos.
Outra estudante, Paula Rodrigues, 21, diz que bebe mais que alguns amigos homens e que costuma misturar bebidas na “balada”, como vodca e energético, mas que não chega a passar mal. A relação entre álcool e mulheres pode ser vista no site de relacionamentos Orkut, em grupos como “Sou Mulher e Bebo Mesmo” e “Mulheres Total Flex”.
*Cláudia Colucci é repóter do jornal Folha de S. Paulo. Reportagem publicada em 03/09/2007.