Ilustração da quadrinista Brendda Lima.
Hoje (25/5) nós celebramos o Dia do Orgulho Nerd, o aniversário de Douglas Adams, o dia em que olhamos para trás e vemos o difícil e tortuoso caminho percorrido por homens nerds há tanto tempo. Eles, que se escondiam na hora do recreio, que eram zoados na escola por gostarem de quadrinhos e action figures, que jogavam Magic e se reuniam para sessões de RPGs nos fins de semana. Esses pobres homens que faziam tudo isso enquanto excluíam do convívio meninas que gostavam das mesmas coisa que eles, ignorando as pressões que eles mesmo impunham sobre essas garotas.
Mas hoje é um dia de celebrar, então, vamos falar sobre todas as vezes em que a gente escutou “eu só queria uma namorada que gostasse de video games”, mas elas precisavam ser magras, com seios fartos, óculos de aro grosso, franja e não podiam ter muitas opiniões. Além disso tudo ela precisava entender profundamente a alma tortuosa desse pobre rapaz nerd, e ele seria o único a realmente entendê-la. Ela não precisava emitir suas opiniões porque já tinha as dele – ela só precisava escutá-lo, falar um palavrão aqui e ali, ser absolutamente compreensiva (ou submissa) com todos os desejos do nerd.
Vamos celebrar todos os comentários e discussões em que os nerds se perguntaram se podiam confiar mesmo num remake de Os Caça-Fantasmas com o elenco principal inteiramente feminino. Todas as vezes em que tentaram disfarçar o machismo e a misoginia em comentários espertinhos, cínicos e que questionavam o valor artístico de um remake – tudo isso enquanto ou ignoravam ou aplaudiam Tartarugas Ninjas 2.
Não podemos esquecer de saudar os grandes quadrinistas como Frank Cho. Homens tão desconectados com a realidade, que ao invés de entenderem o mercado, preferem chamar atenção não pelo seu trabalho, mas por sketches de personagens adolescentes hiper-sexualizadas (Spider-Gwen é uma adolescente, caso você não saiba). Se alimentar de polêmicas do passado parece ser o que esses caras mais sabem fazer.
Vamos comemorar que, em pleno 2016, o diretor de um filme decida dar mais ênfase à bunda e ao corpo de uma personagem do que à sua personalidade complexa, psicótica e divertida. Porque personagens femininas como Arlequina, de acordo com esses mesmos nerds, só vendem se estiverem seminuas. É importante comemorarmos essa desconexão com a realidade.
Hoje também é dia de lembrar que esses nerds machistas não conseguem decidir qual é o real problema do aumento das personagens femininas. Estariam as editoras cedendo às feministas opressoras por causa do politicamente correto, ou estariam atrás apenas de dinheiro? Mas esses mesmos nerds dizem que mulheres não compram quadrinhos/games/action figures, e que personagens femininas não vendem. Vamos celebrar a indecisão deles.
Porque enquanto eles choram, sofrem e criam mundos de fantasia onde são as vítimas dessas mulheres e de outras minorias supostamente opressoras, nós estamos ganhando um espaço ainda maior dentro de um universo que sempre ocupamos.
Porque nós sempre jogamos videogame, sempre lemos quadrinhos e assistimos a filmes e desenhos. Sempre jogamos RPG e Magic, sempre gostamos de escrever, desenhar e de criar mundos de fantasia ou sci-fi. Nós não somos aquelas mulheres nerds idealizadas que eles tanto queriam, nós somos mais do que isso – e poucas coisas assustam homens como mulheres que não se conformam com esses padrões machistas. Nós sempre estivemos aqui, só não tínhamos o mesmo espaço, nem a mesma conexão umas com as outras.
Enquanto eles dizem que personagens femininas não vendem ingresso de cinema, vamos para o segundo ano consecutivo com protagonista feminina em Star Wars e um filme só de super-heroínas e vilãs da DC está em produção. Eles falam que personagens femininas não vendem brinquedos, e DC Super Hero Girls espera arrecadar um bilhão de dólares para a DC Comics/Warner.
Falam que não há interesse em filmes de super-heroínas, mas Viúva Negra foi eleita a personagem com maior interesse para um filme solo. Dizem que não jogamos video games nem lemos quadrinhos, mas somos 52% do público nacional de games e 43% do público americano de quadrinhos. Afirmam que não somos boas quadrinistas nem escritoras, mas batemos recordes de indicações ao Eisner Awards e fomos as grandes ganhadoras do Nebula Awards.
Ainda temos um longo caminho pela frente. Hoje, mulheres brancas, heterossexuais e cis são a grande maioria da representação feminina disponível, o que não reflete nem a pluralidade que existe na nossa sociedade como um todo, nem a diversidade de mulheres que consomem cultura pop.
Se é para celebrarmos alguma coisa nesta data, vamos então celebrar o fato de que mulheres e meninas estão, cada vez mais, sentindo-se confortáveis para carregar a toalha. Vamos comemorar que estamos conseguindo uma representação cada vez mais presente e positiva, que estamos sendo escutadas. Sempre mantendo em mente que precisamos ir mais além, que ainda vai ser um caminho difícil, mas que vamos fazê-lo juntas.