Publicado na Folha de São Paulo em 08/09/16.
Lembro-me bem de quando, finalmente, conheci um professor de educação física que entendeu meu filho. Ele elogiou o desempenho do Tomás (sempre um bom começo para qualquer pai ou mãe), explicou como havia adaptado ligeiramente a aula – e como os outros alunos tinham se adaptado também- e o encorajou a continuar fazendo exercícios, por ser uma necessidade de qualquer pessoa.
Em nenhum momento ele abordou o fato de que o Tomás está dentro do espectro autista. Falou do Tomás como ele é: um ser humano.
Neste contexto, gosto de refletir sobre o fato de que a Paraolimpíada, da mesma forma que a Olimpíada, é uma demonstração do que as pessoas são capazes de fazer, e não do que são incapazes.
O termo “incapacitado”, até a década de 1960, era utilizado para designar pessoas com deficiência. Claro, cada um tem suas limitações, mas, como disse uma vez a atleta paraolímpica brasileira Verônica Hipólito, “só eu digo o que é impossível para mim”.
Ano a ano, mais pessoas são encorajadas por esse pensamento. A Paraolimpíada de Londres, em 2012, registrou a maior participação de atletas da história, com 4.200 competidores representando 165 nações. Os Jogos Paraolímpicos do Rio, que começam nesta quarta (7), prometem ser ainda maiores.
Isso tem um significado muito importante, além do crescimento numérico em si: a inspiração vinda do estímulo ao esporte. É aí que começa a herança mais importante dos Jogos: o legado da inclusão.
O primeiro impacto é a mudança de mentalidade daqueles que têm uma deficiência. Mais de 220 mil deles começaram a praticar esporte desde que Londres foi nomeada sede dos Jogos.
As Paraolimpíadas se expandiram de maneira extraordinária desde 1948, quando foram criadas na Inglaterra, superando todas as expectativas. Tornaram-se o maior evento esportivo do mundo para atletas com deficiência.
Depois, vem a transformação da sociedade como um todo. No Reino Unido, onde cerca de 18% da população tem algum tipo de deficiência, somos educados desde pequenos para a diversidade. Ainda assim, houve espaço para um desenvolvimento significativo.
Depois da Paraolimpíada em Londres, sete em dez crianças disseram mudar a forma como enxergam as pessoas com deficiência. Um em cada três adultos alterou sua atitude perante elas.
Por último, vem a criatividade e a inovação no desenvolvimento de soluções para permitir uma melhor qualidade de vida. A tecnologia está transformando a vida de todos nós.
Acompanho fascinado, por exemplo, a maneira com que avanços na Fórmula 1 são adaptados para a construção de cadeiras de rodas mais leves, com fibra de carbono, ou como os esforços conjuntos de governo, universidades e setor privado podem colaborar para o desenvolvimento de cidades mais acessíveis a todos.
As Paraolimpíadas representam uma perspectiva nova e positiva sobre o significado de impactos permanentes. A mudança na forma como a sociedade interpreta pessoas com deficiência passa a refletir o entendimento de que inclusão não é caridade para alguns, mas uma necessidade para todos nós.
Que Rio 2016 represente mais um passo nesse avanço. E que mais pessoas assumam a atitude do professor de educação física de Tomás.
ALEX ELLIS, 49, é embaixador do Reino Unido no Brasil. Foi diretor de estratégia do Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido (2010 a 2013) e embaixador britânico em Lisboa (2007 a 2010)