O lado feminino da Força: As mulheres agora são alicerce de “Star Wars”
Por James Cimino, de São Francisco (EUA)
Publicado pelo UOL em 13/12/2016.
Não é à toa que os dois últimos filmes da franquia “Star Wars” foram estrelados por mulheres. Em uma galáxia muito, muito distante, elas não estão apenas em frente às câmeras há muitos anos, mas também por trás delas. Na chefia, especialmente.
Quem comanda a LucasFilm, produtora da série criada por George Lucas nos anos 1970, é Kathleen Kennedy. Após a compra da produtora pela Disney, Kennedy, que tem no currículo uma parceria de anos com Steven Spielberg e produções que fazem parte da história do cinema –como “Indiana Jones”, “De Volta para o Futuro”, “Goonies”, “Gremlins” e “Jurassic Park”–, passou a conduzir o futuro da franquia.
A ‘big boss’
Conhecida como KK nos corredores da Disney, Kathleen Kennedy é uma mulher elegante, sóbria, que embora sempre fale suavemente e sem se alterar, sabe exatamente passar a mensagem que deseja.
Quando algo que ela diz é tirado de contexto ou mal interpretado, até Darth Vader fica pianinho. No lançamento do novo filme da franquia, “Rogue One”, em San Francisco, Kennedy deu uma demonstração de por que é quem comanda um dos negócios mais lucrativos do mundo.
Questionada sobre uma reportagem que afirmava que ela teria dito que não contrataria uma diretora inexperiente, apesar de ter contratado um diretor inexperiente para “Rogue One”, nem esperou a pergunta terminar: “Isto não é verdade!” Pausa looooonga, olhar firme. Sorriso fofo.
“Ok? Este senhor aqui [Gareth Edwards] dirigiu ‘Godzilla’. E esta declaração foi totalmente descontextualizada. E eu, como você pode imaginar, tenho todas as intenções de dar a alguém uma oportunidade. Se alguém na indústria se candidatar a esse cargo e mostrar que tem capacidade de dirigir algo neste nível, é claro que chamaremos uma mulher. Não precisa nem dizer. Há muitas! E eu tenho conversado com várias delas”.
Realmente não é papo-furado.
Rey (Episódio 7)
Mas vamos voltar um ano atrás para o lançamento do filme “O Despertar da Força”, o sétimo episódio da franquia, estrelado por Daisy Ridley no papel da primeira jedi protagonista, Rey.
Na época, KK deu uma entrevista ao jornal “Los Angeles Times” e falou sobre o papel central de Rey no filme como algo muito contemporâneo.
“Ela é muito moderna. Acho que será relevante para o público de hoje, porque ela personifica aquela sensação de autossuficiência e independência. Acho que isto é o que ela é. Acredito que ela é assim como pessoa, como Daisy Ridley, e como Rey”.
“Tenho um departamento de roteiro na LucasFilm, e quatro das seis pessoas desse departamento são mulheres. Acho que isso é exatamente o que ajudou Rey a tomar uma forma que fosse relevante para nós. E, esperamos, relevante para as mulheres que assistirem ao filme. Ter um ponto de vista feminino na sala –quando começa uma discussão sobre comportamento, o que cada personagem diria e como poderiam interagir uns com os outros… Em certas situações, as mulheres terão opiniões diferentes das dos homens. Ajudou a termos uma discussão bem balanceada”.
Jyn Erso (“Rogue One”)
No lançamento de “Rogue One”, KK destacou que “as personagens Rey e Jyn [a protagonista de ‘Rogue One] não são compostas por características tipicamente masculinas. Elas são heroínas genuinamente femininas. E eu acho que isso é o mais importante na maneira em que contamos essas histórias.”
Por isso, segundo ela, os filmes da franquia têm não apenas mudado a imagem das mulheres na saga, mas na indústria cinematográfica como um todo.
“A diversidade é extremamente importante nos filmes do universo ‘Star Wars’, mas também para toda a indústria cinematográfica. Ter um elenco que representa o mundo de hoje. Ter personagens com quem as pessoas possam se relacionar pelo mundo todo — já que esta é uma indústria global. Ter uma história que mostra essas pessoas de diversas partes do universo se juntando de formas inexplicáveis, mas que compartilham de um mesmo ideal e que se sentem fortes no desejo de fazer a coisa certa, era certamente muito importante para a nossa história. Como tocamos esse negócio hoje leva muito em consideração esses fatores”.
E embora admita que na história do cinema, de tempos em tempos outras mulheres tenham interpretado personagem marcantes, de Bette Davis em “A Malvada” a Jennifer Lawrence em “Jogos Vorazes”, ela diz que isso sempre foi “episódico”.
“Personagens femininos são criados e tendem a ser esquecidos durante longos períodos de tempo. Mas eu acho que as heroínas de antes eram sempre feitas com motivações ou sob visões masculinas”.
Leia (Episódios 4, 5, 6 e 7)
É claro que a própria saga “Star Wars” teve no passado esse papel de lançar uma personagem feminina marcante, com a inesquecível princesa Leia interpretada por Carrie Fisher, que, não por caso, vira general da resistência em “O Despertar da Força”, para alegria dos fãs. Mas mesmo ela sofreu com o ponto de vista masculino que dominava aquela época –quem não se lembra do famoso biquíni dourado, icônico para alguns e infame para outros?
“É a ideia da heroína feminina que é nova. Este conceito que faltava. Neste filme [‘Rogue One’, a Jyn] não é apenas uma heroína feminina, mas uma personagem muito forte em um filme. E eu espero que isso desapareça com o tempo, essa necessidade de destacar que a heroína é uma mulher”, disse Kennedy na apresentação do filme.
Mas isso não significa que ela não dê crédito para o pioneirismo de Leia, o que já reconheceu em uma entrevista no ano passado. “Quando a princesa Leia entrou em cena em 1977, ela era uma personagem incrível. Dou muito crédito a George [Lucas] por isso. Leia era muito independente. Usamos isso como uma espécie de ponto de partida para por que era tão importante ter uma personagem feminina forte e, esperamos, muitas personagens femininas fortes no universo ‘Star Wars'”.
O efeito é sentido. Diego Luna, o ator que interpreta o capitão Cassian Andor em “Rogue One”, contou que, pelo menos em sua casa, o esforço já deu frutos: “Fui dar meu bonequinho pra minha filha e ela disse: ‘Não! Você tem a Jyn?'”.