Mortas, violentadas, feridas, silenciadas. Não em outubro. Este mês elas se rebelaram. Tomaram as ruas para se fazer ouvir. De Varsóvia ao Centro do Rio, as mulheres cobram o direito de viver sem estar sob ameaça constante da misoginia. Só a violência doméstica é responsável pela morte de 5 mulheres a cada hora no mundo, mostra a organização não governamental (ONG) Action Aid (você leu sobre isso aqui no blog). E 35% de todos os assassinatos de mulheres no mundo são cometidos por um parceiro. De acordo com a ONU, 7 em cada 10 mulheres no mundo foram ou serão violentadas.
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— ElesPorElas (@ElesporElas) 20 de outubro de 2016
De acordo com a pesquisa feita em 25 países pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), ao menos 12 mulheres latino-americanas e caribenhas são vítimas de feminicídio todos os dias. Elas também são mais afetadas pela pobreza, estão empregadas nos setores menos valorizados, trabalham mais em casa do que os homens e ocupam menos de um terço dos postos em esferas de decisão política.
Polônia
Na Polônia, no dia 03, elas se vestiram de preto e tomaram as ruas de 60 cidades . Também decretaram uma greve contra mudanças na legislação sobre o aborto. Ao lado da Irlanda e de Malta, a Polônia já tinha uma das leis de aborto mais restritivas da Europa: gravidez de risco para a mãe, casos de estupro ou incesto (o crime precisa ter sido provado) e má formação do feto. A ideia do parlamento, com o apoio oficial do governo polonês, era proibir totalmente o aborto. Após a reação, o governo polonês recuou e retirou o apoio ao projeto.
De acordo com o Nexo, retrocesso iminente na lei polonesa teve origem em uma campanha feita pela Igreja Católica com um movimento da sociedade civil chamado Stop Abortion, que recolheu mais de 400 mil assinaturas, com o objetivo de banir o aborto em todos os casos. Com a mudança, mulheres e médicos implicados judicialmente na realização de abortos clandestinos poderiam ser condenados a até cinco anos de prisão.
Argentina
Como na Polônia, as argentinas também entraram em greve para protestar contra a violência. A manifestação que ficou conhecida como Quarta-feira Negra lotou as ruas de várias cidades da Argentina, especialmente Buenos Aires, num movimento articulado por mais de 35 organizações que lutam pelo direito das mulheres. O estopim da manifestação foi o brutal assassinato de uma adolescente por dois homens – Matías Farías, 23 anos, e Juan Pablo Offidani, 41 anos. Lucía Perez foi dopada, estuprada, empalada e morreu na noite de 8 de outubro, no pequeno município costeiro de Mar del Plata.
Mais de 200 feminicídios são perpetrados por ano na Argentina. Ante a crescente preocupação social, a Corte Suprema de Justiça começou a elaborar no ano passado o Registro Nacional de Feminicídios. Segundo as cifras oficiais, em 2015 foram assassinadas 235 mulheres pelo fato de serem mulheres, numa média de uma a cada 36 horas. Do total de vítimas, 18% tinha menos de 20 anos, 43% tinha entre 21 e 40 anos, 25% entre 41 e 60 anos e 9%, mais de 60.
Em apoio à manifestação da Argentina, também foram feitas manifestações no México, Paraguai, Guatemala e Peru, entre outros.
São Paulo
No domingo (23/10) as mulheres foram à Avenida Paulista para uma manifestação em solidariedade às argentinas e em protesto contra o feminicídio. “Não são crimes passionais. Não são homicídios apenas. São assassinatos que as vítimas sofrem por serem mulheres”, disse a coordenadora de juventude da União Brasileira de Mulheres, Maria das Neves, para explicar a diferença entre um feminicídio e um homicídio comum à reportagem da EBC.
O Brasil é um dos piores países para ser mulher. Segundo levantamento feito pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a pedido da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil ocupa a 5ª posição no ranking global de homicídios de mulheres entre os 83 países elencados. Fica atrás de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Dados do último Mapa da Violência, 4.762 assassinatos de mulheres foram registrados em 2013 no Brasil.
Rio de Janeiro
A violência contra as mulheres motivou (mais) um protesto na noite de ontem (25), no Centro do Rio. O ato Ni Una Menos (Nenhuma a menos, em português) também foi realizado na sequência a uma série de manifestações feministas em vários países da América Latina, após o assassinato da adolescente argentina Lucia Perez. De acordo com dados oficiais, a manifestação reuniu centenas de pessoas que fizeram o trajeto da Assembléia Legislativa à Cinelândia.
Inspiração que veio da Islândia
A inspiração da greve de trabalho – fora e dento de casa – pode ter vindo da Islândia, mais de 40 anos atrás. E também num mês de outubro. Em 24 de outubro de 1975, milhares de mulheres islandesas suspenderam todas as atividades. Deixaram até mesmo de trocar as fraldas e de alimentar as crianças. Decretaram o “Dia de Folga das Mulheres” e ocuparam as ruas exigindo igualdade de direitos.
Em 1980, a Islândia elegeu a primeira mulher presidente da Europa e a primeira chefe de Estado escolhida democraticamente no planeta pelo conjunto da população. Vigdis Finnbogadóttir, eleita e reeleita mais de uma vez, ficou 16 anos na presidência do país. Era mãe solteira e divorciada. Participou da greve geral que, cinco anos depois, abriria espaço para que assumisse o poder pelo voto, ao lado de sua mãe e de sua filha de três anos.