O Globo: Depressão em crianças pode afetar área do cérebro ligada às emoções
Cerca de 1% dos meninos e meninas de até 5 anos sofre com a doença
POR CLARISSA PAINS 17/12/2015 6:00 / atualizado 17/12/2015 7:00
RIO — Vista como o mal do século, a depressão por vezes invade um período da vida que muitos acreditam ser impenetrável: a infância. Assunto espinhoso, especialmente para pais e educadores, a existência da depressão infantil é consenso entre psiquiatras. A literatura médica evidencia que cerca de 1% das crianças com até 5 anos no mundo sofre com a doença, e essa incidência aumenta progressivamente de acordo com a faixa etária, chegando aos 5% entre os pré-adolescentes de 9 a 14 anos. E o problema pode afetar até mesmo o desenvolvimento cerebral desses meninos e meninas, revela um estudo publicado ontem na revista científica “JAMA Psychiatry”. A pesquisa mostra que crianças deprimidas na fase pré-escolar, com até 6 anos de idade, passam a ter uma massa cinzenta mais fina e em menor volume no córtex, a região do cérebro que processa as emoções — e isso pode ter reflexo na vida adulta.
A massa cinzenta é o tecido que conecta as células nervosas e transmite sinais entre elas. Além de controlar a parte emocional, ela é de suma importância para a visão, a audição, a memória e a capacidade de tomar decisões.
Desenvolvida pela Universidade de Medicina de Washington, nos Estados Unidos, a pesquisa avaliou resultados de exames de ressonância magnética realizados em 193 crianças, 90 delas diagnosticadas com depressão. Os primeiros exames foram feitos quando elas tinha 6 anos e, à medida que cresciam, continuaram realizando os testes periodicamente, até os 15 anos. Ao comparar as imagens dos cérebros dos que haviam tido depressão infantil com os que não haviam passado pelo problema, os pesquisadores observaram que o primeiro grupo teve uma diminuição na espessura da massa cinzenta. E, quanto mais deprimida uma criança era, mais severa era essa perda.
— O que é notável sobre essa descoberta é que somos capazes de ver como experiências de vida, tal qual um episódio de depressão, podem alterar a anatomia do cérebro — afirmou, na divulgação do estudo, a principal autora, a psiquiatra Joan L. Luby. — Tradicionalmente, nós pensamos que o cérebro é um órgão que se desenvolve de uma forma predeterminada, mas nossa pesquisa mostra que a experiência de vida, incluindo estados de espírito negativos, exposição à pobreza e à falta de apoio e de carinho dos pais, tem um impacto direto no crescimento e no desenvolvimento cerebral.
Conforme explica o psiquiatra infantil Gustavo Teixeira, há dois fatores importantes para o desenvolvimento de depressão em crianças: uma predisposição genética e um ambiente “tóxico”, que funciona como um gatilho.
— Chamamos de ambiente tóxico aqueles em que as crianças são negligenciadas pelos pais, sofrem algum tipo de bullying, são violentadas, vivem em situação de muita pobreza, moram com pessoas que fazem uso problemático de drogas. Qualquer uma dessas circunstâncias pode desencadear um quadro de depressão. Mas, para isso, é necessário que exista o componente genético. Se uma criança tem depressão, provavelmente encontraremos outras pessoas na família com o mesmo problema — assegura ele, que é professor visitante de Psiquiatria Infantil na Universidade Estadual de Bridgewater, em Massachusetts, EUA.
E não é raro, de acordo com Teixeira, que crianças deprimidas tenham até mesmo pensamentos suicidas. O médico observa que, se não tratada ainda durante a infância, essa doença faz aumentar o risco de abuso de drogas e de quadros depressivos mais profundos na adolescência e na fase adulta. Como consequência, o risco de suicídio também cresce junto com a pessoa.
— Em geral, a gente pensa que só adolescentes e adultos tentam tirar a própria vida. Mas isso é falso. Por isso, é preciso estar atento para fazer o diagnóstico o mais cedo possível. A criança só vai melhorar com a ajuda de uma terapia cognitiva e comportamental, que vai funcionar como uma armadura para protegê-la dos possíveis ambientes tóxicos que ela encontrará pela frente durante toda a vida — explica Teixeira.
DIFICULDADE DE DIAGNÓSTICO
O pesquisador Osmar Henrique Della Torre, da equipe de Psiquiatria Infantil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), destaca o quão difícil é para muitas famílias identificar a doença nas crianças. Diferentemente dos adultos, elas tendem a não ficar muito mais caladas, e sim extremamente irritadas. Outra importante característica é que elas deixam de gostar de fazer atividades com as quais antes sentiam prazer, como brincar com os amigos ou jogar bola. Podem até surgir dores físicas aparentemente inexplicáveis.
— A maioria das crianças que tem depressão não recebe o diagnóstico. Elas são vistas como crianças mais preguiçosas do que as outras, porque se movimentam de forma mais lenta, não interagem muito e têm mais sono do que o normal — conta Della Torre.
Segundo ele, a alteração cerebral que pode decorrer da depressão, no entanto, é reversível.
— Nosso cérebro tem uma plasticidade excelente, logo ele pode se reorganizar e evitar que um episódio de depressão na infância traga consequências permanentes. Quanto mais precoce é a intervenção, maior é a chance de reverter o processo. E a terapia precisa envolver tanto a criança quanto a família — ressalta.
Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/depressao-em-criancas-pode-afetar-area-do-cerebro-ligada-as-emocoes-18314684#ixzz3uaMtHiuI