Um terço dos brasileiros culpa mulheres por estupros sofridos
Por Fernanda Mena/De São Paulo.
Publicado na Folha de S. Paulo em 21/09/2016.
“A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada.”
A frase, capaz de provocar calafrios, é alvo de concordância de um a cada três brasileiros, segundo pesquisa inédita Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Mesmo entre as mulheres, 30% concorda com este raciocínio, que culpa a vítima pela violência sexual sofrida.
No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, segundo registros oficiais, totalizando quase 50 mil crimes do tipo ao ano.
Estimativas apontam, no entanto, que apenas 10% dessas agressões sexuais sejam registradas, o que sugere uma cifra oculta de até 500 mil estupros anuais.
De acordo com dados do SUS (Sistema Único de Saúde), em 70% dos casos de estupro, a vítima é uma criança ou adolescente.
“Trata-se de um déficit civilizatório do Brasil ter tantas pessoas que vinculam a vitimização da mulher a uma conduta moral”, diz Renato Sérgio de Lima, vice-presidente da entidade.
O índice de concordância com a frase que relaciona uso de roupas provocativas com estupro sobe entre moradores de cidades de até 50 mil habitantes (37%), pessoas apenas com o ensino fundamental completo (41%) e com mais de 60 anos (44%).
O índice cai entre aqueles com até 34 anos (23%) e com ensino superior (16%).
“Isso nos mostra uma transformação em curso na tolerância à violência sexual e na percepção de que a culpa é da mulher”, avalia Wânia Pasinato, da ONU Mulheres. “Aqueles mais jovens e com mais educação melhoraram sua compreensão sobre o papel da mulher na sociedade”, diz ela.
O papel da educação no combate às agressões sexuais é reconhecido por 91% dos entrevistados, que dizem ser possível “ensinar meninos a não estuprar”.
“A educação é um fator de mudança e, portanto, devemos trabalhar o potencial transformador de valores das escolas”, destaca Lima.
Para Pasinato, no entanto, a retirada de metas de combate à discriminação de gênero dos planos nacional, estaduais e municipais de educação, por pressão de bancadas religiosas, deve ter impacto negativo nessas transformações.
#EUNÃOMEREÇO
Em 2014, pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou que 65,1% dos brasileiros acreditavam que mulheres que mostram o corpo “merecem ser atacadas”.
O dado, depois corrigido para 26%, provocou uma enxurrada de manifestações e uma campanha em que mulheres e homens expuseram seus corpos em fotos acompanhadas da hashtag #EuNãoMereçoSerEstuprada.