Por Eduardo Graeff
A páginas tantas da discussão sobre essa proposta de uma rede pública nacional de televisão, alguém invocou o bom exemplo britânico. Não seria ótimo termos uma BBC brasileira?
Sou fã da BBC, tanto da televisão quanto do website. E acho boa, em princípio, a idéia de termos uma rede pública de televisão competindo com as redes privadas.
Se eu pudesse dar palpites para a criação de uma BBC brasileira, minha primeira sugestão seria para tranqüilizar os contribuintes: não precisa botar mais dinheiro público no projeto. É só tirar uma boa fatia do bolão que o governo federal gasta em publicidade oficial, de um lado, e remanejar os gastos de pessoal e custeio que o governo já faz nessa área, do outro.
As agências de publicidade e veículos privados de comunicação não vão gostar muito da idéia. Os empregados da Radiobras e TV Educativa talvez fiquem preocupados. Mas, calma no Brasil: com transparência e senso de equilíbrio, daria para tocar o projeto sem causar nenhuma catástrofe econômica ou “social” e, benza Deus, sem meter a mão no meu, no seu, no nosso bolso.
Segundo, e ainda mais importante, eu tentaria desenhar um modelo de financiamento, governança e diretrizes editoriais que garantisse à congênere brasileira aquilo que a BBC tem de mais admirável: a independência política e o pluralismo cultural.
Se você teve chance de acompanhar a cobertura da guerra do Iraque pela BBC e pelas redes americanas, com certeza notou o contraste: enquanto a CNN, Fox etc., embora privadas, pareciam a Voz da América de tão alinhadas com Bush, a estatal BBC manteve a independência a ponto de trombar feio com Tony Blair. A independência tem a ver com uma tradição que não se improvisa nem se decreta. Mas há um marco legal-institucional que sustenta a tradição. Nada impede de criar um marco equivalente aqui.
Financiamento garantido, por exemplo, pelo IPI sobre aparelhos de rádio e televisão, mais uma porcentagem razoável de tudo o que o governo federal e suas empresas gastarem com veiculação de publicidade. Um conselho diretor com representação equilibrada do governo e da oposição, dos profissionais de comunicação e do público. Jornalistas e outros profissionais admitidos por seleção pública e demissíveis por avaliação objetiva do desempenho, para não virarem burocratas. Diretores selecionados em processo aberto, por consultoria externa, e aprovados pelo Senado. Diretrizes claras de neutralidade político-partidária e distribuição eqüitativa de tempo para diferentes visões ideológicas e tendências culturais.
Será que é essa a BBC brasileira que os defensores da idéia dentro do governo e adjacências têm em mente? Tomara que fosse.
Meu receio é sair tudo ao contrário: mais um cabidão de emprego para jornalistas chapa-branca financiado com mais expansão irresponsável do gasto público. Uma coisa assim mais para Telesur do que para BBC, sabe como é?
Eduardo Graeff é sociólogo e foi Secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso.