A luta das mulheres pela igualdade, pelo fim do assédio e pelo direito ao próprio corpo ditaram os maiores debates nas redes sociais nas últimas semanas e pautaram as mídias tradicionais. As campanhas#MeuPrimeiroAssédio e #AgoraÉQueSãoElas denunciaram o machismo, a violência e o assédio vivido cotidianamente no Brasil. O tema foi capa das revistas semanais Época e Istoé deste final de semana.
Destaque nas redes sociais após o caso de assédio contra uma participante de 12 anos no reality showMaster Chef Junior (leia aqui o post que fizemos sobre a campanha), #MeuPrimeiroAssedio encorajou as mulheres a relatarem suas primeiras experiências de abuso. De forma espontânea, ganhou o apoio de celebridades. Com relatos de abusos na escola, na própria família e na rua, a atriz Letícia Sabatella, a Chef Paolla Carosella, a primeira dama Ana Estela Haddad, e a atriz Rachel Ripani foram algumas das muitas mulheres que aderiram à campanha criada pela ONG Think Olga para mostrar que o abuso não é normal e que a vítima não tem motivo para se sentir culpada. “Cada vez que você fala, você tira uma camada. Porque são muitas camadas, de muitos anos de dor, de vergonha, de tristeza, de não saber lidar. Não é uma dor que vai embora, mas que você pode dividir”, relata Rachel Ripani, após compartilhar um depoimento forte e bastante contundente da sua experiência. Leia o relato na íntegra aqui.
O sucesso de #MeuPrimeiroAssédio foi também a inspiração para o surgimento de um novo movimento nas redes sociais. Idealizada pela doutora em Relações Internacionais, Manoela Miklos, a campanha#AgoraÉQueSãoElas mostrou as várias as situações complicadas e arriscadas enfrentadas pelas mulheres. Colunistas e blogueiros de veículos dos mais diversos segmentos – do jornal O Estado de S. Paulo ao site Gizmodo, especializado em tecnologia – deram lugar em para que mulheres pudessem se expressar livremente. Mas houve quem, como o ministro da Cultura, Juca Ferreira, desse o espaço no próprio perfil no Facebook para elas.
Para Manoela Miklos, é importante que as mulheres sejam as protagonistas desta luta e que não só as outras mulheres como os homens escutem o que elas têm a dizer. ”E se os homens com espaço de fala garantido se calassem nesse momento? Se de fato ouvissem em vez de falar sobre ouvir? Cadê essas vozes que eu ouvi na rua, que estavam nas redes?“, diz Miklos em entrevista ao Blog do Moreno – o colunista do Globo, Jorge Moreno, foi outro que também aderiu ao movimento.
A campanha ocupou espaços em diferentes veículos de comunicação – blogs, jornais e canais no Youtube. No blog do colunista Mauricio Strycer, a autora de teatro e novelas, Maria Adelaide Amaral, relatou: “Fui abusada, oprimida, ofendida e espancada ao longo da minha infância por pai, mãe e irmãos por ser desbocada e preferir brincar com meninos. Por que eu não era como as outras meninas?”.
No blog do jornalista Leonardo Sakamoto, a doutora em Ciências Sociais Maíra Kubik Mano destaca a falta da representatividade feminina nos veículos de comunicação. “Acho que a campanha (#AgoraÉQueSãoElas) é importante para dar visibilidade à exclusão das mulheres da fala pública, para mostrar como a maioria dos espaços, dos meios de comunicação, é ocupada pelos homens. A exclusão das mulheres dessa fala implica em muitas histórias não contadas, muitas experiências de vida que não são relatadas”. O deputado federal Jean Wyllys, o humorista Gregório Duvivier e os colunistas Juca Kfouri, Helio Schwartsman, Jamil Chade, J. P. Cuenca, Contardo Calligaris e muitos outros que aderiram à campanha e cederam espaço para mulheres relatarem, cada uma a seu modo, como é ser mulher no Brasil.
Todos esses movimentos ocorrem em meio à aprovação, numa comissão especial da Câmara, do PL 5069, criado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). O projeto de lei, além de dificultar o aborto legal em caso de estupro, proíbe o atendimento às vítimas (que não poderão receber o coquetel anti-HIV e a pílula do dia seguinte) e criminaliza os profissionais de saúde que prestarem qualquer tipo de assistência à mulher. O gerou uma onda de protestos e levou ao Centro do Rio, no dia 28 de outubro, e à Avenida Paulista, no dia 31 de outubro, milhares de mulheres, que também pediram a renúncia de Eduardo Cunha. Veja mais sobre a manifestação aqui e aqui.
Aplicativos contra o assédio e estupro
A estudante Catharina Doria, 17, criou o aplicativo Sai Pra Lá que mapeia casos de assédio. Segundo Catharina, a ideia é, que no futuro, o aplicativo entre em contato com delegacias, associações de bairro ou ONGs relacionadas a segurança para trabalhar em conjunto criando medidas que minimizem o problema. Leia mais aqui.
Já o Athena da ROAR é um equipamento que está sendo desenvolvido por crowdfounding. O aparelho tem um chip Bluetooth pequeno e se conecta com um smartphone e os serviços da operadora para que o sistema de envio de mensagens funcione. Pode acionar um alarme para assustar o agressor e alertar quem estiver próximo ou enviar um pedido de socorro silencioso, por mensagem, para a lista de contatos.
Olmo e a gaivota
No início de outubro, um discurso na cerimônia do Troféu Redentor de Melhor Longa-Metragem Documentário tornou-se alvo de uma enorme polêmica nas redes sociais. Na ocasião, Petra Costa, diretora do filme “Olmo e a Gaivota”, usou uma peruca azul em homenagem à protagonista da trama para sair em defesa do direito da mulher: “Eu espero que um dia haja a soberania feminina total, para que a mulher possa decidir sobre o próprio corpo, seja por um aborto ou não. E desejo também que um dia nós não vejamos mais nenhum discurso machista, seja contra uma presidente ou contra uma cineasta”.
Se na cerimônia o fim do discurso foi seguido de fortes aplausos, nas redes sociais a fala da diretora gerou uma onda de reações e comentários negativos, iniciando uma forte debate sobre o aborto e a defesa (ou não) do poder de decisão da mulher sobre o sue próprio corpo. Em uma mistura de ficção com documentário, a atriz italiana Olivia Corsini representa a si mesma, quem em um determinado momento da trama, é obrigada a deixar os palcos por causa de uma complicação na gravidez, com risco de aborto.
O discurso de Petra vem em defesa de milhares de mulheres, que assim como sua protagonista, experimentam a profunda transformação psicológica e sacrifícios durante a gravidez, que são tratados com um tabu milenar. E para acabar com esse tabu e rebater as fortes críticas recebidas, o perfil oficial de “Olmo e a gaivota” publicou o post: “Comentários como ‘vadia, se não quer ter filho fecha as pernas’ inundaram a nossa página. Aqui vai a nossa resposta”. E a resposta à essas agressões foi a campanha “Meu corpo, minhas regras”, que através de um vídeo questiona o que é ser mulher na sociedade atual. Com a particiação do elenco do filme, que se caracterizou como a protagonista, a campanha condena o machismo, a falta de representatividade feminina no cinema e levanta questões polêmicas como o poder de decisão da mulher sobre o sue próprio corpo. “Tratam a gravidez como se tudo fosse maravilhoso, cor de rosa, sublime“, declara um dos atores. “Apenas em 30% dos filmes as mulheres falam. E quando falam, falam sobre homens ou com homens. Elas não têm crise, nome, história nem foco. E de repente surge um filho e o corpo que era poribido, se torna obrigatório“, complementam.
Não fica muito claro se “Meu corpo, minhas regras” é, de fato, apenas uma resposta ás críticas ou uma forte estratégia de divulgação para o longa. Mas ao levantar discussões tão polêmicas com a participação de nomes como Alexandre Borger e Júlia Lemmerts, o assunto entrou para os trend topics do twitter e será estendido em uma sessão com debate hoje (6 d enovembro), no Espaço Itaú de Cinema, em Botafogo. O evento é aberto ao público e contaraá com a participação de Letícia Sabatella, Fernando Alvez Pinto e Serge Nicolaii. Para mais informações do evento, acesse