Por Marcelo Coutinho
Da mesma maneira que no século XVI a prensa acabou com o monopólio da Igreja Católica sobre a produção, circulação e interpretação de idéias, a Internet está erodindo o controle dos políticos sobre a comunicação de suas atividades.
Esse ainda não é um assunto muito importante no Brasil, aonde o número de eleitores com acesso (cerca de 32 milhões, segundo o IBOPE/NetRatings) corresponde a menos de 25% do eleitorado, situação similar a verificada nos EUA em 1996. Mas é bom lembrar que a rede já complicava a vida das autoridades antes da difusão da banda larga e dos vídeos on-line (lembram-se do Drudgereport.com, o primeiro site a publicar uma nota sobre as horas extras de Bill Clinton e Mônica Lewinski na Casa Branca?).
A tendência é que essa influência cresça mais ainda a medida que a convergência também nos torna “webvídeo-jornalistas” – qualquer telefone celular equipado com uma câmera razoável já pode fazer um bom estrago.
É claro que não estamos falando de uma “revolução”, no sentido de que a informação na rede precisa ser combinada com outras mídias para ter um impacto relevante. Um bom exemplo foi o comportamento dos principais blogs políticos na última eleição presidencial brasileira, que funcionaram de forma “acoplada” com a mídia tradicional, lançando ou amplificando fatos e boatos.
Nos EUA, o ex-senador de Virgínia George Allen foi flagrado ofendendo um eleitor, vídeo que foi parar no YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=r90z0PmnKwI). Horas depois estava nas redes de televisão, e a repercussão na mídia de massa ajudou a aumentar a audiência no site. O resultado final foi que Allen perdeu uma eleição onde sua vitória era dada como certa (e os republicanos perderam o controle do Senado por uma cadeira).
Nas últimas eleições brasileiras, tivemos um exemplo do que está por vir a medida que o uso da rede se populariza. Segundo o levantamento que realizamos para a Escola Superior de Propaganda e Marketing, nas vésperas do segundo turno 118 comunidades com mais de mil integrantes discutiam questões relativas aos dois principais candidatos a presidência. A maior dela tinha 221 mil integrantes e em um único dia foram postados 54 mil comentários. No YouTube, os vídeos mais populares sobre os dois candidatos foram vistos por mais de 730 mil internautas. Ainda é pouco para influir em uma eleição presidencial, mas certamente pode fazer a diferença para candidatos em eleições proporcionais nos próximos anos.
Além destes exemplos mais “eleitorais”, é bom lembrar que os meios digitais tiveram papel decisivo em episódios como o “toque de recolher branco” que São Paulo viveu no ano passado, durante a rebelião do PCC, e no protesto da população espanhola contra a versão oficial do ataque ao metrô de Madri (o governo divulgou inicialmente que a culpa era do movimento separatista basco ETA).
Assim como a prensa, que criou uma nova cultura (protestantismo), novos negócios (editoras), uma nova maneira de organizar o conhecimento (biblioteconomia) e obrigou a Igreja Católica a redefinir suas relações com o povo, o impacto da Web na atividade política vai se desdobrar em diversos campos, de forma gradual.
É claro que em algum momento alguém vai tentar lançar uma “contra-reforma”, e o embate jurídico sobre o uso da Internet nas campanhas promete gerar muita polêmica. Para ficar em um exemplo brasileiro: em setembro do ano passado, diversas comunidades políticas foram apagadas do Orkut, por “conteúdo inapropriado”. O Google se recusou a dar maiores explicações. Podem imaginar algo semelhante em 5 ou 10 anos, com uma proporção bem maior do eleitorado usando estas ferramentas para decidir seu voto?
O impacto destas transformações será sentido não somente no campo da política, mas também no da comunicação pública e na relação entre empresa e sociedade. Mas este é um tema para outra coluna…
Marcelo Coutinho é diretor-executivo do IBOPE Inteligência e professor de pós-graduação na Fundação Cásper Líbero