por Maria Helena Passos
Quanto vale o óleo Nu Feminino que o paulista Cândido Portinari pintou em 1923? E quanto vale o direito autoral cedido por seu único filho, João Cândido, sobre as cinco mil obras que a arte de seu pai lhe deixou como legado?
Não é necessário estimar tais valores para sentir a importância da atitude do presidente do Projeto Portinari. Ao ceder o direito autoral sobre esse imenso acervo desde que suas peças sejam usadas na campanha contra a violência, impulsionada a partir do trágico assassinato do carioca João Hélio Fernandes, de seis anos, ao arrastado por ladrões em fuga durante um assalto no Rio, no fim do Carnaval passado, ele fez muito mais: ousou.
Como poucos o têm feito nestes tempos de muito espetáculo e pouco jornalismo investigativo, João Cândido transmutou a emoção em ação, assim como seu pai a transformava em arte.
Uma campanha contra a violência não vive apenas de bons sentimentos e posições politicamente corretas. Custa dinheiro. Sem preço, o uso do vigor estético de Portinari teria custo inestimável para um esforço de comunicação pública como este.
João Cândido já havia despachado por e-mail aos usuários do Projeto Portinari, três desenhos sobre os painéis Guerra e Paz, elaborados por seu pai e atualmente adornando a sede da Organização das Nações Unidas em Nova York, que retratam mães com filhos mortos no colo. Sobre a cópia de uma dessas gravuras, o herdeiro do pintor colou uma foto do garoto assassinado no Carnaval, convicto que estava de que aquela imagem era mais forte do que qualquer palavra.
As imagens das obras de Portinari estão no site do projeto, para livre uso desde que com o objetivo mencionado. A ousadia, porém, está na mente de alguns poucos, quando se fala em comunicação pública. E já faz algum tempo que habita a de João Cândido.
No ano passado, ele doou o uso de Nu Feminino, pintado por seu pai na Paris dos anos 1920 para uma campanha da Sociedade Brasileira de Mastologia: a “Saúde da Mama”, lançada em Curitiba com o apoio do Grupo Telelistas através de sua página na web que dispõe da consulta a mais de 25 milhões de usuários telefônicos.
A meta era atingir 100 milhões de mulheres com a iniciativa educacional. Dificilmente, ela poderia ser mais conveniente a todos os envolvidos – de emissores a receptores.
Maria Helena Passos é jornalista