Por que a Geração Z não curte beber ou usar drogas
Por Max Daly
Publicado em 08/2/2017 na Vice Brasil.
Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK.
Cresci no sudoeste de Londres nos anos 80 e meu consumo de álcool e drogas não era anormal. Devo ter começado a beber com 14 anos, porque foi nessa idade que fiquei com a ficha suja na polícia por causar um acidente de trânsito depois de muitas cervejas. No ensino médio a gente cheirava corretivo, fumava cigarros na hora do almoço e baforava aerossol no posto local. Na faculdade, participei de maratonas de xadrez chapado, usei LSD e cogumelos entre as árvores e bebi muito em shows punk.
Esse é um comportamento estranho para os jovens de hoje? A “Geração Z”, o pessoal entre 12 e 22 anos em 2017, chapa mais ou menos que a molecada dos anos 80, 90 e 2000? A Inglaterra está rumando para outra geração de putarias intoxicadas, ou para uma era puritana?
Considerando só o que a mídia diz, é difícil saber o que pensar. Há um fluxo constante de matérias dizendo que os garotos pararam de beber — que ser adolescente hoje significa se juntar a um culto crente, gente obcecada por comida orgânica e ioga extrema. Mas vire a página e as mortes por ecstasy estão crescendo, óxido nitroso e Spice estão no pátio de toda escola, e as adolescentes inglesas são as pessoas mais bêbadas do planeta.
Na superfície, todas as condições hoje deveriam apontar para um aumento do uso de drogas. Drogas ilegais estão mais disponíveis do que nunca, seja na internet ou nas ruas. Elas são mais aceitas socialmente e as punições para o uso são menos severas. Mas simplesmente não está acontecendo. Todas as evidências mostram que fumar, beber e usar drogas são hábitos em queda livre. No meio dos anos 80, 55% dos adolescentes de 11 a 15 anos já tinham fumado cigarro, e 62% já tinham bebido álcool. Hoje, 18% já fumaram cigarro e 38% usaram álcool. A proporção de adolescentes entre 11 e 15 anos que já usaram qualquer droga ilegal caiu pela metade desde 2001, de 29% para 15%.
A história é parecida com a dos jovens no começo da faixa dos 20 anos. Nos livros de história do futuro, 1998 provavelmente vai ser conhecido como o pico do uso de drogas ilegal entre os jovens ingleses. Naquela época, quando todo mundo tinha dinheiro e estava ouvindo Britpop, 31,8% dos jovens de 16 a 24 anos já tinham usado drogas ilegais. Ainda assim, em 2016, principalmente devido a uma queda no uso de cannabis, esse número caiu para 18%. Ainda que tenha rolado um revival em 2012, o uso atual de cocaína e ecstasy caiu se comparado com os picos de 2008 e 2001. E levando em conta a população geral inglesa, drogas como anfetaminas, alucinógenos e poppers hoje são minoria entre os adolescentes.
O que está acontecendo então? Por que os jovens, historicamente os consumidores-chave do mercado de drogas, estão largando as drogas e o álcool?
Procurando uma resposta, falei com Chloe Combi. Escritora e ex-professora do ensino médio, ela entrevistou dois mil adolescentes para seu livro de 2015 Generation Z. Combi falou com eles sobre sexo, relacionamentos, família, escola, crime e saúde, ligando essas questões ao uso de drogas. A pesquisadora, então, ganhou uma visão única sobre o que move a geração do Snapchat.
Primeiro, ela quer derrubar o mito de que os jovens estão ficando sóbrios e chatos. “Acho que não fomos dos adolescentes party monsters para todo mundo sentado em casa tomando chá de camomila. Álcool e drogas ainda são uma parte predominante da vida adolescente”, diz. “Por exemplo, temos muitos garotos de classe alta envolvidos com cocaína agora. Escolas particulares têm um grande problema com isso. Igualmente, fumar maconha ainda é atraente para um vasto grupo de garotos. Ela [a erva] é acessível e integral para várias culturas adolescentes locais.”
Mesmo assim, as entrevistas de Combi apontaram por que bebida e drogas são cada vez mais rejeitadas por essa geração. Duas décadas de educação antidrogas, antifumo e anti-álcool hardcore tiveram seu efeito, aponta. “A maior influência para os garotos são outros garotos. Não é estranho dizer ‘Não uso drogas nem bebo’. É algo perfeitamente aceitável agora.”
Ela notou um contraste com sua própria adolescência nos anos 90. “Se era um moleque de 15 anos nos anos 90, você idolatrava Liam Gallagher. Agora, você idolatra Ed Sheeran. Lembro do pico da cocaína com o Britpop quando eu estava na escola, e não acho que ainda exista um glamour associado às drogas hoje.”
Os celulares também tiveram um papel importante nessa aparente mudança de comportamento. Fora o fato de que há cada vez menos lugares para os adolescentes se encontrarem para se divertir, os smartphones aumentaram o que ela chama de “socialização isolada”, o que leva a menos consumo de álcool e drogas. Ainda assim, um dos impactos cruciais no consumo de drogas e álcool, diz Combi, veio com às redes sociais que criaram um nível totalmente novo de vaidade. “Vivemos numa sociedade cada vez mais consciente de sua imagem. É tipo ‘não use drogas, coma couve’. Os adolescentes acham que se não beberem ou usarem drogas, se ficarem em casa tomando suco verde e meditando, eles serão bonitos e terão um cabelo brilhante.” E cabelo brilhante fica ótimo no Instagram.
A maior influência nessa mudança, segundo Combi, é uma paranoia social que explodiu com os smartphones. Os círculos sociais da Geração Z não são apenas um grupo de amigos, mas potencialmente um exame de paparazzi adolescentes, com muito menos limites morais que os profissionais.
“Tudo que os adolescentes fazem está sendo filmado, e eles sabem muito bem que cair na net bêbado não pega bem. Então isso afasta as pessoas do álcool e das drogas. Há uma cultura de humilhação de quem bebe e usa drogas na mídia, e essa humilhação social filtrou os garotos. Se eles enchem a cara numa festa, é muito provável que isso vá parar no Instagram ou Snapchat. Adolescentes sempre foram cruéis, e a maioria dos garotos que passarem por alguém desmaiado numa festa hoje em dia vão tirar uma foto.”
Os adolescentes com quem falei concordam. Emma, uma estudante de 16 anos de Surrey, me disse que suas amigas são muito mais conscientes que os garotos de que encher a cara pode ser um tiro no pé para sua imagem pública. “Perder o controle, vomitar e perder a compostura são coisas que as garotas tentam evitar ao máximo para parecerem mais atraentes.”
Muitos adolescentes com quem falei disseram que estão preocupados demais para chapar, não apenas por causa das redes sociais, mas com a obrigação de se destacar numa paisagem cada vez mais competitiva. Foi algo que Combi encontrou repetidas vezes em suas entrevistas. “Não há o luxo do tempo — há pressão em tudo; o cotidiano deles é focado em resultados e no que eles vão ser na vida”, ela me disse. “Os dias em que passar por vários empregos considerados legais era normal acabaram. A face do ensino superior mudou completamente. No passado, se você queria ir para a universidade por três anos e simplesmente chapar, tudo bem. Agora, se você vai sair de lá com uma dívida de £80 mil, é melhor usar esses três anos sabiamente.”
Mesmo na última década, a mudança tem sido muito perceptível. Desde que chegou a Londres oito anos atrás, Hannah, 26, notou uma diferença. “Comparado com quando eu tinha 18, é muito mais normal sair e não beber, ou ficar seis meses sem colocar uma gota de álcool na boca. É quase tão aceito dizer que você não bebe quanto dizer que bebe. Com as drogas, os jovens estão mais conscientes de sua saúde mental, mais consciência de si mesmos.”
Em seu livro, muitas das referências às drogas não são sobre o uso dos próprios adolescentes, mas sobre os hábitos de álcool e drogas frequentemente problemáticos dos pais. Isso funcionou como um alerta para a nova geração: muitos se afastaram das drogas por causa dos modelos em casa. “Era algo que sempre surgia. Do norte ao sul da Inglaterra, centenas de garotos disseram que se preocupavam com os hábitos de consumo de álcool dos pais”, diz ela. “Muitos disseram que os pais bebiam demais, de exageros ocasionais ao próprio alcoolismo.”
Mas essa desaceleração é um desvio para uma nação insular com uma reputação de parir adolescentes selvagens? Ou bebida e drogas vão pelo mesmo caminho que o cigarro, que, segundo a previsão de especialistas, estará totalmente obsoleto entre adolescentes nos próximos 20 anos?
“Enquanto as pessoas se tornam mais educadas e conscientes de sua saúde, esse tipo de tendência vai continuar”, diz Combi. “Dito isso, não acho que o mundo está se tornando um lugar mais feliz que antes. As pessoas precisam de escapismos para o que acontece ao redor delas. Mas álcool e drogas também são uma questão de prazer, e seja lá o que acontecer, as pessoas sempre vão querer curtir a balada.”
Emma diz que, para ela, a melhor maneira de escapar das pressões desse “mundo que está esperando por nós, o mundo que supostamente está aos seus pés”, é estudando, não enchendo a cara ou chapando como as gerações exteriores.
“Em áreas como a minha, os pais estão se tornando mais e mais investidos na vida dos filhos”, ela sugere. “Mas crescemos assistindo a vida deles, vendo a exaustão e o descontentamento que eles criaram como a mentalidade de ‘graças a Deus é sexta-feira’ — então fomos obrigados a procurar outras coisas. Beber e usar drogas em excesso não tem mais lugar na vida dos adolescentes hoje; temos muita coisa para fazer.”
@Narcomania / idrawforfood.co.uk
Tradução: Marina Schnoor