A APRS entende que o suicídio, na maioria das vezes, está relacionado a algum tipo de transtorno psiquiátrico muitas vezes não diagnosticado e não tratado de forma adequada. Os mais comuns são: depressão, bipolaridade, dependência química, transtornos de personalidade e a esquizofrenia.
Marco Antonio Caldieraro salienta que é possível tratar os pacientes com consultas frequentes, sem a necessidade de internação. Contudo, para aqueles que possuem tendências suicidas o melhor é que o tratamento seja realizado onde não exista a possibilidade dele tentar algo contra si mesmo. O suicídio ocupa a 3ª colocação entre as mortes violentas no RS, ficando atrás dos homicídios (1ª) e dos acidentes de trânsito (2ª), segundo o Datasus.
Aumenta o suicídio entre jovens
Diversos jovens sofrem em silêncio e as famílias só ficam sabendo dos problemas depois que o fato está consumado. De acordo com dados do Mapa da Violência, do Ministério da Saúde, o índice de jovens que tiraram a própria vida aumentou 40% em 10 anos. Para a doutora em psicologia, que defendeu uma tese sobre as motivações para esta violência, Fernanda Serralta, o suicídio na adolescência associa-se a fatores como a depressão, baixa autoestima, disfunção familiar, abuso sexual, maus tratos, negligência e o uso de substâncias psicoativas.
O médico Ricardo Nogueira confirma o aumento de suicídios entre os jovens. Segundo seus estudos, os abusadores de álcool e drogas estão na liderança com 33% seguido dos jovens depressivos com 28%. Esquizofrênicos, jovens com transtorno de personalidade e ansiedade completam a lista. Porém, outro sinal que preocupa é o crescimento do número de mortes entre as mulheres jovens, “principalmente meninas dos 15 aos 19 anos, usuárias de álcool e drogas ou que estão em gestação”, destaca Nogueira.
Como vai você?
Todos os especialistas consultados pela reportagem apontaram o CVV (Centro de Valorização da Vida) como a principal referência na prevenção de suicídio no Brasil. A organização não governamental é, inclusive, citada pelo Google quando busca-se informações sobre o assunto.
O slogan “como vai você” é uma alusão à forma com que eles trabalham. No ano passado, no Brasil, o CVV atendeu um milhão de pessoas que buscavam ajuda, o equivalente a uma ligação a cada 33 segundos. Fundado em 1962, em São Paulo, o CVV atende pelo número 141. O coordenador nacional, o gaúcho Anildo Fernandes, explica que o atendimento prioriza o ato de ouvir as pessoas: “Nós procuramos oferecer uma escuta compreensiva. Sabemos que, à medida que a pessoa começa a falar dos seus problemas, ela começa a se sentir aliviada e, assim, encontra forças dentro dela própria para reagir”, explica. Conforme Anildo, a perda é a maior motivação das ligações para o 141. Ela pode estar relacionada ao falecimento de um ente querido, a demissão de um emprego ou até mesmo a morte de animais de estimação.
No Rio Grande do Sul, nos primeiros quatro meses de 2015 foram atendidas 19.350 ligações. Uma média de 4.837 ligações por mês, de acordo com o coordenador. A organização dispõe de atendimento presencial, via internet, pelo telefone e até mesmo por carta. E há também os grupos de apoio aos “sobreviventes”, denominação dada às pessoas que já tentaram tirar a própria vida ou àqueles que são parentes de vítimas.
Mesmo com a ajuda, o Centro de Valorização da Vida não promete terapia a quem procura o serviço. “Não é um trabalho terapêutico. Nós somos pessoas da comunidade, cada um com a sua profissão”, explica Anildo, contador, especializado em controladoria. Ele divide seu tempo entre atividades profissionais e tarefas que possui no CVV. Apesar de reconhecida por lei como entidade de utilidade pública federal, o Centro de Valorização à Vida não recebe verbas do governo. Toda a renda que o centro arrecada para a sua manutenção é proveniente dos próprios voluntários, a partir da realização de “vaquinhas” e brechós que a entidade organiza. O coordenador entende que o Centro cumpre uma lacuna deixada pelo Estado, tanto no Brasil quanto no Rio Grande do Sul: “O estado, por mais que tente fazer, não encontra mecanismos para atender a demanda. A gente procura então suprir essa necessidade”, afirma.
Não diga que a canção está perdida
A especialista Rosa Maria Almeida salienta que os familiares que notarem mudanças de comportamento como o desejo de não sair de casa, isolamento, impulsividade, agressividade, vontade de chamar a atenção, falta de controle, níveis de depressão, perda de motivação e falta de convivência com amigos, devem ficar constantemente em alerta porque são indícios que podem levar ao ato de tirar a própria vida.
A Secretaria Estadual de Saúde do RS (SES-RS) reconhece que o suicídio é um grave problema de saúde pública. De acordo com a assistente social da SES –RS, Andreia Volkmer, o estado tem feito campanhas em duas frentes: de valorização da vida, sem citar o termo suicídio, e publicando um guia de bolso com informações para os profissionais da saúde. Conforme a assistente social, está nos planos do governo capacitar os profissionais da saúde no interior do estado. Entretanto, em função da contenção de despesas, as viagens estão suspensas.
O psiquiatra Ricardo Nogueira relembra que em 2007 o estado criou o Programa de Prevenção de Suicídio dentro de uma ação chamada PPV (Programa Prevenção Da Violência) envolvendo várias secretarias. Nas 10 cidades onde este tipo de morte era mais constante foram oferecidos programas de tratamento à depressão e orientação à população. Os números de suicídio se reduziram em 12% durante o programa. No entanto, de 2011 a 2014 não houve continuidade deste projeto: “Vimos que até 2010, das 20 cidades com maior índice suicida no Brasil, metade eram gaúchas, segundo dados do DATASUS. De 2011 para 2014, já são 13 cidades. É um aumento de 30%. Então vamos trabalhar nas cidades onde estão as maiores incidências”, afirma o psiquiatra.
Nogueira revelou que uma parceria conjunta envolvendo a Secretaria Estadual de Saúde, o Centro Estadual de Vigilância de Saúde, o Centro de Informações Toxicológicas, e o Hospital Mãe de Deus foi criada para lançar um novo projeto de prevenção ao suicídio em setembro. “No momento estamos na fase do geoprocessamento, um levantamento do número de suicídios ocorridos e de tentativas mal sucedidas. Houve no Rio Grande do Sul, 1500 tentativas de suicídios por intoxicação de medicamentos, de material de limpeza e de venenos, de acordo com o Centro de Informação Toxicológicas. Então estamos fazendo esse geoprocessamento de quais são os tipos de suicídios para combatermos.” A intenção, segundo o médico, é começar por Porto Alegre, por ter o maior número absoluto de mortes e ser a cidade mais populosa.
Mas os maiores percentuais de casos suicidas ocorrem na região nordeste do estado. O atual deputado Federal Osmar Terra integra o grupo que está organizando o novo programa. Ele era o secretário da saúde em 2007, quando foi criado o Programa de Prevenção ao Suicídio. Terra, que também é médico, afirma que para enfrentar o problema é preciso combater o uso de drogas e diagnosticar os transtornos mentais, acompanhando de perto os grupos de maior risco.
Para o deputado, uma solução seria o governo contratar psiquiatras nas regiões onde os índices são maiores, e identificar os grupos de risco, ou seja, aqueles que já tentaram o suicídio ou apresentam depressão grave. “Nós precisamos de uma política de diagnóstico. A pessoa que tem borderline (transtorno de personalidade), por exemplo, precisa ser acompanhada, ela é um suicida em potencial. Nós temos bons psiquiatras, bons profissionais, mas a população não tem acesso a estes especialistas”, explica Osmar Terra.
Um tabu para a imprensa
Apesar dos dados alarmantes de suicídio no Brasil e no Rio Grande do Sul, o assunto é pouco tratado pela imprensa com a justificativa de que a visibilidade do tema pode influenciar quem está predisposto.
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros ainda não aborda a questão do suicídio diretamente. Conforme o documento, os profissionais da imprensa tem a responsabilidade de preservar o direito à privacidade, a imagem e à honra das fontes. Também é proibido divulgação de informações de caráter pessoal, mórbido e sensacionalista.
O jornalista Carlos Etchichury foi o autor de uma série de reportagens sobre suicídio no jornal Zero Hora, em 2008. Etchichury entende que ao não divulgar o problema, o jornalismo está se omitindo da sua função: “ao não publicar matérias sobre suicídio, o jornal deixa de abordar uma das três principais causas de morte violenta no Estado — um assunto de alto interesse social. E não abordando este assunto, o jornal não cobra do Estado (uma das atribuições da imprensa é fiscalizar o Estado) políticas públicas capazes de combater o suicídio”.
De acordo com o jornalista, que defende mais publicações sobre o assunto, há manuais da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Associação Brasileira de Psiquiatria que auxiliam os profissionais da comunicação na divulgação do suicídio. “Não sei se a publicação de reportagens teria, como consequência imediata, a redução das ocorrências. Mas os veículos poderiam, por exemplo, prestar um serviço público relevante para a população, orientando familiares e amigos de suicidas ou pessoas que tentaram se matar e cobrando políticas públicas do Estado.
Um pedido de ajuda: quando o apresentador vira ouvinte
Apresentador do programa “Pijama Show”, na Rádio Atlântida, em Porto Alegre, Éverton Cunha é conhecido por Mr. Pi. Acostumado a atender ouvintes no ar durante a madrugada, o radialista foi pego de surpresa há quase 15 anos, quando recebeu a ligação vinda de um jovem de Chapecó/SC. O ouvinte não queria pedir música, muito menos comentar algum assunto do programa: ele havia ligado para anunciar que estava prestes a tirar a própria vida.
“Eu atendi e logo de cara ele disse que estava pensando em se matar. Eu fiquei surpreso muito mais pela ligação do que pela ideia. Eu já fui jovem, a maioria do meu público é jovem. Eu sei que muita gente pensa nisso e eu sei que, na madrugada, as pessoas ficam muito mais sensíveis, pensativas. Não tinha como julgar se aquilo era sério ou se era alguma brincadeira, então deixei ele falar”, conta o apresentador.
A ligação durou alguns minutos. Mr. Pi escutou o jovem falar dos problemas e tentou fazê-lo mudar de ideia. “Quando ele falou aquilo eu pensei exatamente o inverso: se ele está me propondo o fim, eu vou tentar propor um recomeço.” No final da conversa, Mr. Pi colocou no ar a canção de Raul Seixas, Tente Outra Vez.
Depois da conversa, o ouvinte manteve contato quase que diariamente com o apresentador, a seu pedido. O jovem catarinense contava como estava a sua vida e Mr. Pi, algumas vezes, lia as mensagens no ar. Meses depois, o rapaz afirmou que tinha desistido da ideia de suicídio. Mais tarde, encontrou o comunicador pessoalmente, em um evento em Chapecó, e lhe agradeceu.
O radialista não quer ser visto como “herói” na história. Ele ressalta que apenas tratou de escutar uma pessoa que estava com problemas: “Não acredito que eu tenha feito algo de extraordinário. Mas a gente nunca sabe, posso ter feito a diferença ou não. Ele precisava falar, eu apenas escutei. Essa história foi marcante, diversos ouvintes lembram até hoje. É um assunto delicado, eu acho que nós temos que ter muito cuidado quando tratamos de suicídio. Temos que fortalecer nas pessoas a ideia da vida”, diz Mr. Pi.
Reportagem: Caroline Garske, Douglas Demoliner, Guilherme Moscovitch, Laís Albuquerque, Luana Schranck, Maurício Trilha e Stéphany Franco.
Fotografias: Laís Albuquerque
Edição e supervisão: Luciana Kraemer.