Há pouco mais de um mês, fomos convidados para participar de um debate, no Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), sobre a descriminalização da maconha. O objetivo não era discutir legalização, mas unicamente uma mudança judicial que não mais considerasse o usuário um criminoso.
Além disso, a meta era tratar prioritariamente de uma única droga, a maconha –uma proposta tímida, se pensarmos nos impactos que a criminalização traz ao tratamento dos usuários de substâncias ilegais.
Existem manifestações favoráveis de diversos organismos internacionais à descriminalização do uso de drogas ilícitas. Na América do Sul, o Brasil faz parte de minoria que não descriminalizou o porte para uso.
Ainda assim, o tema é polêmico. Há pessoas que, legitimamente, temem os impactos negativos da medida –embora, sob nossa perspectiva, os dados e as evidências científicas disponíveis não corroborem esses argumentos.
O debate por aqui ainda é incipiente e deve ser aprofundado. Precisamos ouvir os argumentos mútuos, dissipar temores infundados, encontrar caminhos consensuais e definir os limites do conhecimento sobre a disputa.
Nada mais afeito à natureza do Cremesp do que fomentar esse tipo de discussão. Trata-se de uma questão profissional, política, ética e constitucional que exige a multiplicidade de olhares para enriquecer a formação e a prática médica.
Para alguns, no entanto, isso não parece tão óbvio assim. A Uniad (Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas), a Comissão de Estudos sobre Drogas da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ONG Amor Exigente enviaram uma carta ao Cremesp contestando o seminário, que consideraram inadequado pelo fato de o Conselho Federal de Medicina já ter se manifestado contra a descriminalização.
É importante salientar que o órgão federal se posicionou sem amplo debate dentro da categoria e sem apresentar um documento que demonstrasse evidências científicas suficientes para sustentar tal opinião.
Na coluna da jornalista Mônica Bergamo de segunda (11), nesta Folha, pode-se ler que o Cremesp respondeu a essa interpelação com a clareza e a firmeza que o assunto merece: “Não há nada, do ponto de vista normativo, legal e constitucional, que impeça a discussão de qualquer assunto por nós”.
É uma pena que os representantes das entidades queixosas não tenham comparecido ao debate, uma vez que houve amplo tempo para a discussão entre os presentes.
A impressão que tivemos, diante dessa ausência, é a de que o contraditório deva ser, para essas entidades, evitado, pois qualquer troca de ideia sobre a descriminalização é, por si só, ameaça.
Entre os que desejam que a legislação sobre a posse de maconha e de outras drogas para uso pessoal continue como está, criminalizada, e os que entendem que há melhores soluções possíveis, nenhuma, absolutamente nenhuma, posição é pior do que tentar impedir o debate. Isto tem nome: censura.
LUÍS FERNANDO TÓFOLI, 43, é psiquiatra e professor do departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas
MAURÍCIO FIORE, 38, é diretor do Cebrap – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas
Fonte: www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1728804-debate-proibido.shtml