Uma coisa é censura, outra coisa são critérios

18/07/2007

Por Maurício Lara

Às quatro horas da manhã de um dia qualquer, no aeroporto de Ilhéus (BA), um menino de quatro anos aguardava, com a mãe, um desses vôos da madrugada. Atento a uma televisão ligada, deu trabalho à mãe que tentava afastá-lo da frente do aparelho. Em poucos minutos, ele assistiu a três cenas de violência e uma cena de sexo. As cenas não eram inusitadas para aquele horário. O inusitado era a presença da criança diante da televisão.

E se este filme passasse às quatro da tarde? A presença do menino diante da TV à tarde seria habitual, corriqueira, previsível. E por que um filme desses não passa às quatro da tarde? Porque isso seria inconveniente, ou melhor, inadmissível.

O exemplo da criança no aeroporto de Ilhéus denuncia como pode estar equivocado o encaminhamento da discussão travada atualmente sobre a proposta do governo de regulamentar as faixas de horário em relação à idade do telespectador. Ora, que atentado pode haver à liberdade de expressão quando o Ministério da Justiça se movimenta nesse sentido? O que tem a ver com censura evitar que crianças vejam programas que possam ser considerados inadequados para determinada idade? E não estamos vendo ninguém falar em proibir este ou aquele programa; o que se discute é quanto à pertinência dos horários de exibição.

O Brasil nem vivia ainda o tempo da ditadura e nem tinha televisão quando os cinemas estampavam nos cartazes a classificação etária. Na matinê, assistia-se a filme “censura livre”. O programa infantil era naturalmente diferente do programa noturno. O programa para criança era diferente do programa para adultos. A ditadura passou, qualquer um se arrepia quando ouve a palavra “censura”, mas continua não sendo sensato passar no meio da tarde o filme que o menino de quatro anos viu no aeroporto. Uma coisa é censura, outra coisa são critérios.

Nessa discussão, fala o governo, com bastante cuidado, diga-se de passagem, porque sabe que “gato escaldado tem medo de água fria” e que “cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça”. Logo, sabe que qualquer coisa que resvale para a censura ou repressão vai ser repudiada e com razão. Falam os representantes dos veículos de comunicação, que defendem enfaticamente o sagrado direito à liberdade de expressão e o livre arbítrio. E há até quem diga que a decisão quanto ao que a criança vê cabe aos pais, como se eles tivessem tempo e preparo para ficar avaliando o que passa na televisão. Menino fica agarrado em frente à TV enquanto os pais trabalham para garantir comida na mesa.

Mas têm falado muito pouco os pais e os educadores que, supõe-se, são as instâncias mais preparadas e mais interessadas no conteúdo do que a criança assiste. Uma coisa é censura, outra coisa é educação de criança.

Que o governo não se meta a impor regras goela abaixo da sociedade, mas que também os veículos de comunicação não pensem em submeter educação infantil às lógicas de mercado. A discussão proposta pelo governo é, no mínimo, pertinente. Uma coisa é censura, outra coisa é discernimento do que é aconselhável e do que não é. Que a censura continue banida do nosso meio, mas que ninguém se furte a discutir temas tão importantes como educação e orientação infantis.

Maurício Lara é Secretário de Comunicação da PUC Minas e sócio da Lara Agência de Comunicação e Pesquisa Ltda.