Prioridade no cidadão

04/07/2007

Em entrevista exclusiva para o blog CIP, o professor e doutor em Comunicação, Jorge Duarte fala sobre Comunicação Pública, um conceito mais amplo que àquela feita por instituições do Estado. De acordo com Duarte, a Comunicação Pública é caracterizada por ter o foco no interesse do cidadão. O que é um grande desafio para instituições púbicas e privadas. Ele é um dos autores do livro “Comunicação Pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público”, lançado esta semana em Brasília. Leia a nota anterior sobre o livro.

Blog CIP – Os autores do livro divergem sobre o conceito de comunicação pública. Por que é tão difícil chegar a um consenso sobre isso?

Jorge Duarte – O consenso não é importante, mas todos que tratam do assunto valorizam os mesmos aspectos. O termo despontou há cerca de cinco ou seis anos e estamos tentando adotá-lo como referência para um tipo de comunicação voltado para o interesse do cidadão, ou do interesse público como alguns preferem. É uma discussão complexa, mas é ótima. Mais importante do que haver um consenso é a própria discussão, pois passamos a ter outro olhar sobre as possibilidades da comunicação. Ainda hoje ela é muito voltada para os objetivos do emissor. Quando falamos de comunicação pública colocamos o interesse do usuário, do público, do cidadão em primeiro lugar. E isto é um avanço extraordinário, embora, claro, devesse ser considerado normal e até óbvio.

Blog CIP – Quais os principais problemas da Comunicação Pública no Brasil? Ou trata-se de uma comunicação de órgãos públicas, muitas vezes com interesses privados?

Jorge Duarte – Acho que a principal dificuldade é que temos uma tradição de uso instrumental da comunicação voltado para as corporações, as instituições, as autoridades, os emissores. A comunicação ainda é um instrumento unilataral-vertical-descendente, utilizado basicamente para transmitir idéias, informações, para convencer. Em geral esquecemos que comunicação é diálogo, entendimento, compreensão, interlocução. Quem detém o poder e os meios deveria estar mais preocupado em entender as pessoas, em ouvir os públicos, em adaptar as informações às necessidades e possibilidades dos interlocutores. Em geral, entretanto, nos damos por satisfeitos quando distribuímos mensagens, às vezes, inclusive, sem preocupação de verificar, sequer, se foram compreendidas.

Blog CIP – A comunicação feita pelas instituições públicas está distante dos interesses do cidadão ou isso começa a ser sanado?

Jorge Duarte – Acho que há uma grande evolução nos últimos anos e o livro chega neste processo de conscientização institucional, se é que é possível usar esta expressão. Acho que o processo começou com a chegada maciça de profissionais concursados em vários órgãos públicos. Este processo reduziu a frequência da comunicação personalista em um primeiro momento e hoje começa a limitar também a comunicação voltada para beneficiar os interesses das corporações e instituições. Nossas instituições ainda são muito autocentradas e autoreferentes e a comunicação tende a expressar esta cultura.

Blog CIP – É possível fazer uma comunicação voltada para o interesse público em instituições privadas?

Jorge Duarte – Sim, é mais complexo pois as instituições privadas precisam priorizar a comunicação mercadológica, mas muitas delas já perceberam que depois da valorização do cliente, do consumidor, do usuário, o próximo passo é tratá-lo como um cidadão pleno de direitos. Isto pode ser o cumprimento de uma responsabilidade social e também um diferencial competitivo. É preciso, entretanto, verificar se isto é uma prática corriqueira, consciente e séria de determinada empresa ou apenas uma estratégia pontual ou temporária de um tipo de marketing.

Blog CIP – No livro você descreve como fundamental para a operacionalização da comunicação pública, a definição de políticas formais. Mas são escassas as políticas de comunicação sistematizadas em instituições públicas. Como chegamos a este ponto?

Jorge Duarte – Políticas públicas formais de comunicação ainda são escassas, como você diz, por falta de tradição, experiência e oportunidade política. A preocupação maior ainda é resolver os problemas do dia, que são muitos. Mas isto está evoluindo. Empresas públicas como a Embrapa já possuem políticas formais e inclusive disponibilizadas ao público e muitas organizações estão realmente interessadas em construí-las. Acho que a evolução nesta área é irreversível. Importante lembrar também que muitas vezes a caracterização de uma política informal já é um grande passo. O simples fato de se pensar e operacionalizar a comunicação de uma maneira estratégica e em benefício da cidadania já é um avanço extraordinário. A formalização desta prática em documentos reconhecidos institucionalmente vem na seqüência.

Blog CIP – O que seria preciso para que se faça uma comunicação mais democrática e plural no Brasil?

Jorge Duarte – Acho que só o fato de discutir o assunto já leva nesta direção. Outros ingredientes importantes seriam a criação de uma cultura de comunicação nas instituições e um debate interno sobre a quem ela serve. Mas creio que estamos em um caminho sem retorno. São raros os casos em que houve retrocesso nas políticas de comunicação depois de consolidadas. Há uma nova geração de profissionais que desejam mais do que promover, publicizar, divulgar e há instrumental teórico e referenciais para subsidiá-los nas discussões. Há algum tempo o simples fato de colocar a comunicação na agenda das instituições já era motivo de comemoração. Hoje passamos desta fase e buscamos colocar a comunicação a serviço da diversidade, do diálogo, do entendimento e da compreensão.

Blog CIP – Você acha que as universidades e faculdades de Comunicação deveriam inserir a Comunicação Pública em seus currículos?

Jorge Duarte – Há cursos de pós-graduação em comunicação pública e acho que, dependendo das características de determinado curso de graduação, seria importante que houvesse esta disciplina. Mas não é tão essencial quando discutir em aula qual o uso e possibilidades da comunicação. Um aspecto interessante é que em geral o debate ocorre apenas sobre como a imprensa faz comunicação. Esquecemos que governos, legislativos, judiciário, ongs, empresas também tem estruturas, profissionais e instrumentos de comunicação, e portanto, responsabilidade sobre a forma com que disseminam informação, dão acesso, dialogam com os seus diferentes interlocutores.

Por Karla Mendes