Assédio nas agências: 90% das mulheres já foram vítimas
Grupo de Planejamento divulga dados da primeira pesquisa sobre o tema, que ouviu 1400 pessoas que trabalham em empresas de comunicação de São Paulo
Por Meio&Mensagem
Embora as questões do assédio sexual e da desigualdade de gênero já estejam na pauta na indústria global de comunicação há algum tempo, o Brasil ainda não possuía nenhum dado concreto a respeito do alcance desses problemas no ambiente das agências, produtoras e veículos de comunicação. Com o objetivo de fornecer ao setor algum panorama que traduzisse em números a dimensão desses fatores, o Grupo de Planejamento dedicou os últimos meses à elaboração da primeira pesquisa quantitativa sobre o tema.
Com o nome de “Hostilidade, silêncio e omissão: o retrato do assédio no mercado de comunicação de São Paulo”, o estudo ouviu 1400 pessoas (homens e mulheres) que trabalham em empresas de comunicação da região metropolitana de São Paulo – em sua maioria, funcionários de agências de publicidade. Com apoio da Qualibest, a pesquisa foi realizada em forma de questionário online, sem identificação de nome ou de local de trabalho dos entrevistados.
“Tínhamos ideia de que a questão do assédio era um grande problema de nossa indústria. Mas quando conseguimos quantificar esse problema e transformar a percepção em números concretos é mais fácil conscientizar as lideranças e começar a planejar as maneiras de coibir essas práticas que são culturais e tão prejudiciais a toda a sociedade”, diz Ana Cortat, cofundadora da Hybrid Colab e conselheira administrativa do Grupo de Planejamento.
O dado mais emblemático do estudo – que foi apresentado nessa quarta-feira, 15, na Conferência do Grupo de Planejamento – é a percepção da indústria sobre a questão do assédio – 100% das pessoas que responderam à pesquisa declararam que existe casos de assédio nas empresas de comunicação.
O percentual de vítimas de situações de assédio elevado. Entre as mulheres entrevistadas, 90% declarou já ter sofrido alguma situação de assédio (seja moral ou sexual). Entre os homens, o índice é de 76%.
No que tange especificamente os cases de assédio sexual, as mulheres são as maiores vítimas. Entre todas as entrevistadas, 51% assumiram já terem sofrido assédio sexual no ambiente de trabalho. Desse grupo, 39% contou que a forma de assédio sofrida envolveu contato físico. “Esse índice de agressão com contato físico nos surpreendeu pois mostra que esses casos, muitas vezes, são tratados como se fossem situações normais, brincadeiras ou piadas do ambiente de trabalho”, comenta Renata D’Ávila, CSO da Fbiz e diretora-presidente do Grupo de Planejamento.
O estudo – que também foi coordenado por Ulisses Zamboni, CEO da Santa Clara e conselheiro do Grupo de Planejamento, e Ken Fujioka, ex-sócio da Loducca e ex-presidente do GP – também trouxe dados sobre a prática de assédio moral nas agências e empresas de comunicação. Para 89% das mulheres e 85% dos homens, o assédio moral é algo que faz parte do cotidiano de trabalho. Entre os tipos de assédio moral especificados no estudo estão a cobrança de tarefas em prazos impossíveis de serem cumpridos, jornadas extenuantes de trabalho (incluindo noites, feriados e finais de semana) e humilhação moral por parte de superiores ou clientes.
Reflexos na saúde
A pesquisa do GP também mostra que a hostilidade no ambiente de trabalho causa transtornos de saúde: 62% das mulheres que foram vítimas de assédio sexual ou moral declararam terem tido sintomas físicos. As reações variam entre crises, de choro, ansiedade, sensação de incapacidade e depressão. Entre os homens vítimas de assédio, o índice de sintomas físicos foi relatado por 51%.
Um dos pontos mais preocupantes da situação do assédio na comunicação, na opinião dos membros do Grupo de Planejamento, é a falta de rede de apoio para que as pessoas denunciem esses casos. Entre todos os 1400 entrevistados, apenas 5% declarou ter conhecimento de que sua empresa possui um canal onde é possível denunciar situações de assédio. O índice de quem, de fato, formaliza as reclamações por assédio ainda é muito baixo. De acordo com a pesquisa, somente 3% das mulheres e 7% dos homens vítimas de assédio sexual formalizaram a denúncia para as empresas. No caso de assédio moral, o índice de reclamação formal foi de 12% para as mulheres e 8% para os homens. “Seja por receio de represálias ou por achar que a denúncia não surtirá efeito, as pessoas preferem se calar. Não há estímulos para que esses casos venham a tona”, opina Ken Fujioka.
O estudo será disponibilizado a toda a indústria da comunicação em alguns dias. A ideia é que os números sejam o primeiro passo de uma série de ações que visam coibir a prática de assédio na indústria.
A Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) também comprometeu-se, junto ao Grupo de Planejamento, a apoiar a questão. Em nota, o presidente da Associaçao, Mario D’Andrea (CEO da Dentsu Brasil), declarou que “o estudo mostra que, infelizmente, o assédio moral e sexual (um dos grandes males da nossa sociedade) está claramente presente na nossa atividade, a comunicação”. O presidente da Abap afirma que a entidade repudia e condena qualquer prática desrespeitosa em relação à gênero, raça, cor e credo mas ressalta que a indignação não pode ser a única manifestação. “Nosso mercado, como um todo, não pode ficar alheio a esse grave problema e não pode tolerar uma situação tão absurda. A Abap vai apoiar e participar de discussões entre todas as entidades do mercado para encontrar formas inteligentes e eficientes de enfrentar o problema.”, disse D’Andrea.